Iniciamos esta série de biografias com a vida de Idelette D'Bures, esposa de João Calvino. Penso que a vida de Idelette, por ser pouco conhecida e por ter sido, talvez, eclipsada pela vida e pelos feitos teológicos de Calvino, merece destaque como o exemplo de uma esposa que exerceu tão propriamente o seu papel de auxiliadora, que ela se contentou em ter o seu próprio nome ofuscado pelo nome do seu esposo.
A biografia abaixo foi retirada de um capítulo do livro "Grandes Mulheres da Reforma", de James I. Good, traduzido e publicado pela Editora Knox Publicações em 2009. Se você tiver interesse em adquirir o título completo, clique no link para a loja virtual da Knox Publicações: http://loja.knoxpublicacoes.com.br/products/grandes-mulheres-da-reforma.
Se você ainda não leu a 1a parte do artigo, clique aqui: http://macasdeouro.blogspot.com/2014/07/biografias-selecionadas-da-historia-da.html
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IDELETTE D’BURES, ESPOSA DE CALVINO - PARTE 2
Mal havia Calvino casado, e ele logo teve
de deixá-la. Ele foi intimado a ir a uma reunião nas conferências em Hagenau e
Worms para prestar contas de questões políticas. Ele deixou, então, a sua
esposa em Estrasburgo, aos cuidados do seu irmão Antoine, e de uma família
chamada Richebourg, cujos filhos haviam sido seus pupilos. Mal tinha ele
partido quando uma terrível peste surgiu em Estrasburgo. Mas o seu dever para
com a causa Protestante que estava sendo ameaçada nessas conferências era mais
forte que o seu dever para com a sua família, e ele não pôde voltar para casa.
Enquanto isso, a peste se enfureceu
violentamente. O jovem Louis De Richebourg e Claude Ferey, um amigo íntimo de
Calvino, logo morreram em virtude dela. Antoine, seu irmão, fugiu de Estrasburgo.
Calvino, em agonia, checava as suas correspondências e esperava por notícias
desta cidade, temendo o pior com relação à sua esposa. Ele escreveu a um amigo
em Estrasburgo: “dia e noite eu vejo a minha esposa diante dos meus olhos, a
qual está em meio a estes perigos sem ajuda ou conselho, pois o seu esposo
encontra-se longe. Eu preciso fazer um grande esforço para resistir à minha
pesarosa ansiedade. Eu tenho recorrido à oração e à santa meditação”. E as suas
orações foram ouvidas, pois a vida de Idelette foi poupada, e ela pôde
recebê-lo na sua volta à Estrasburgo.
Quando Calvino foi chamado novamente a
Genebra, ele a deixou em Estrasburgo. O conselho de Genebra, depois, enviou
três cavalos e uma carruagem para levar ela, a sua família e os seus pertences.
Eles reservaram uma casa com um jardim ligado a ela para Calvino e sua esposa. Ali
ela revelou as mesmas belas características de uma esposa fiel. Ela era
grandemente dedicada ao seu marido. Como ele era naturalmente fraco e doente,
ela o assistia ao lado da sua cama em sua doença, e o encorajava em momentos de
fraqueza e depressão. Ela assim o tranquilizava grandemente em meio aos
tremendos fardos dos seus labores.
Sem dúvida, nós devemos muito da abundância
e da clareza dos pensamentos de Calvino ao gentil e fiel ministério de Idelette
em casa. Muitas vezes, ela cuidava dele ao lado do seu leito à noite, sustentando
a sua cabeça cansada, pois ele sofria de uma terrível dor de cabeça. Nas suas
horas mais tristes, quando notícias adversas chegavam, ela o fortalecia e
confortava. Quando os rebeldes se enfureciam nas ruas, levantando a voz contra
os ministros de Genebra, ela se retirava ao seu aposento, caía em seus joelhos
e orava. Como uma boa esposa de pastor, ela ainda visitava os doentes. Ela era
sempre vista confortando aqueles que passavam por sofrimentos.
A sua casa era um asilo para os numerosos
refugiados que vinham engatinhando para Genebra. Ela cuidava deles com tão bela
hospitalidade que alguns chegavam a dizer que ela era mais cuidadosa para com
os estranhos do que para com os próprios residentes de Genebra. Ela tinha
prazer na companhia dos amigos de Calvino, especialmete de Farel, Beza e
outros. Idelette acompanhava o seu esposo em suas caminhadas, as quais ele
fazia apenas raramente para Cologny e Bellerive. A esposa de Viret era como uma
irmã para ela, e em Maio de 1545, quando o seu esposo foi para Zurique a fim de
incitar os distritos Germânicos a intercederem pelos Waldenses, ela visitou a
esposa de Viret em Lausanne.
Mas ela passou também por grandes
sofrimentos, os quais lhe trouxeram muita desventura e consequentes doenças. Um
por um, os seus filhos foram sendo arrancados dela pela morte na infância. Em
Julho de 1542, ela ficou muito doente, e Calvino estava grandemente alarmado.
Ele escreveu a Viret: “Eu estou sofrendo de grandes ansiedades”. No mês
seguinte, o seu bebê recém-nascido faleceu. Grande foi o pesar de Calvino.
Escrevendo a Viret, ele diz: “Saudai a todos os irmãos – saudai também a sua
esposa, a quem a minha envia o seu agradecimento pela doce e santa consolação
que dela recebeu. Ela gostaria de escrever isso com suas próprias mãos para
confirmar, mas ela mal teve forças para ditar algumas poucas palavras. Ao levar
o nosso filho, o Senhor tem dolorosamente nos abatido, mas Ele é o nosso Pai.
Ele sabe o que é mais adequado para os Seus filhos”. Desse modo escreveu
Calvino, e me surpreende que, ainda assim, ele seja tido como alguém cujo
coração estava na cabeça, ou que não possuía sentimentos carinhosos e
profundos.
Dois anos depois disso, outro dos filhos
que ela deu à luz veio a falecer, uma menina ainda bem pequena. E no outro ano,
um outro bebê faleceu. Assim como a Raquel dos antigos, Idelette pranteou, no
entanto, diferentemente de Raquel, ela não recusou ser confortada, pois o seu
consolo era que eles estavam com Cristo, o que é muito melhor. Estes
sofrimentos se tornaram ainda maiores em virtude dos Católicos acusarem que a
morte dos seus filhos era castigo divino por eles serem hereges. Calvino e a
sua esposa suportaram estas acusações com mansidão, e Calvino respondeu a eles
que, embora ele não tivesse nenhum filho natural vivo, ele possuía miríades de
filhos espirituais ao redor do mundo Cristão.
A vida de casada de Idelette durou apenas
nove anos. A sua saúde nunca foi forte. Em 1549, estava evidente que ela estava
ficando seriamente doente. Por três anos, ela sofreu de uma febre, a qual,
juntamente com os seus demais sofrimentos, havia lhe abatido completamente.
Calvino escreveu para Viret: “Eu temo um término fatal. O Senhor talvez nos mostrará
um semblante mais favorável”. Mas os seus temores só provaram ser muito
verdadeiros. Embora a sua esposa tivesse o melhor dos médicos, Textor, que era
um refugiado e grande amigo pessoal de Calvino, ainda assim, todos os esforços
desse médico não foram suficientes para curar a doença.
Ela foi gradualmente piorando, e por volta
do dia primeiro de Abril, o seu estado se tornou tão sério que toda esperança
de cura se evadiu. Beza e outros dos amigos de Calvino, logo que ouviram isso,
se apressaram em ir até ele para confortá-lo. À medida que ela se aproximava da
morte, apenas uma coisa parecia atormentá-la – os seus filhos do seu casamento
anterior com Storder. Calvino, percebendo que ela estava atormentada, e
adivinhando que essa era a razão das suas preocupações, prometeu que ele cuidaria
deles como se eles fossem os seus próprios filhos. Ao que ela disse: “eu já os
entreguei nas mãos do Senhor, mas eu bem sei que você não abandonará aqueles a
quem eu tenho confiado ao Senhor”. Tendo este último cuidado sido retirado da
sua mente, ela calmamente esperou pela morte. Embora sofrendo bastante, a sua
face revelava a doçura da paz que reinava no seu interior.
O seu pastor Borgonius, que a visitou na
noite do dia 4
de Abril[AL1] , fala da simplicidade da sua fé e da sua elevada esperança como
verdadeiramente edificantes. “Ó gloriosa ressurreição!”, ela exclamou enquanto
ele falava, e ainda: “Ó Deus de Abraão e de todos os nossos pais, os fiéis de
todas as gerações têm confiado em Ti, e nenhum deles foi jamais frustrado. Eu,
também, confio em Ti em todo o tempo”. Às seis horas, tendo os seus amigos a
transportado para outro leito e sentindo-se muito fraca, ela disse: “Orem, meus
amigos; orem por mim”. Calvino se aproximou dela; ela ainda o reconhecia. Ele
falou a ela da graça de Cristo e daquela força que era aperfeiçoada na
fraqueza. Ele a relembrou (embora a sua voz falhasse ao fazer isso) da bendita
eternidade de alegria na qual ela estava prestes a adentrar. E então ele orou
com ela, confiando-a ao Senhor, em Quem ambos criam. Por volta das nove horas
do dia 5
de Abril de 1549[AL2] , ela cessou de respirar, mas ela faleceu tão pacífica e calmamente
que aqueles que a assistiam ao seu leito não estavam certos se ela havia apenas
dormido ou se havia falecido.
Calvino, escrevendo acerca dela para Farel
e Viret, diz: “Eu perdi aquela que nunca teria me abandonado, fosse em exílio,
ou na miséria, ou na morte. Ela foi uma preciosa ajuda para mim, e nunca se
ocupava demais consigo mesma. A melhor das minhas companhias foi tirada de
mim”. E sete anos depois, ao escrever para Valenville, um pastor Francês em
Frankfort que também tinha perdido a sua esposa, ele diz: “Eu sei, por experiência
própria, quão dolorosas e devastadoras são as feridas causadas pela morte de
uma excelente esposa. Quão difícil tem sido para mim governar os meus próprios
sofrimentos”. Calvino, por mais que os seus deveres o pressionassem agora mais
do que nunca, ele nunca esqueceu Idelette – e nunca, nem por um só momento,
pensou em preencher o seu lugar casando-se novamente. Sempre que ele
pronunciava o seu nome, o tom da sua voz e a sua expressão revelavam o quão
querida ela era para ele. Se o seu esposo, que era quem melhor a conhecia, pôde
assim reverenciá-la e honrá-la, cabe a nós, então, honrar a sua memória como
uma das mais verdadeiras e piedosas dentre as esposas dos reformadores – uma
companheira à altura para Catharine Von Bora, esposa de Lutero, e para Anna
Reinhard, esposa de Zwínglio.
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