“Como Maçãs de Ouro em salvas de prata, assim é a palavra dita a seu tempo.” (Pv. 25.11)

“Feliz o homem que acha a sabedoria e o homem que adquire o conhecimento;
... é Árvore de Vida para os que a alcançam, e felizes são todos os que a retêm." (Pv. 3:13,18)

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

A EDUCAÇÃO CLÁSSICA E A EDUCAÇAO CRISTÃ (Parte 1)


II. A Educação Clássica e a Educação Cristã


 
Temos examinado o surgimento, a adoção, o declínio e o ressurgimento atual da educação clássica a fim de dar ao leitor uma visão histórica da educação clássica, de introduzi-lo aos seus principais distintivos, e de buscar explicar o sucesso atual desse modelo. Passemos, agora, a uma breve avaliação da Educação Clássica sob os critérios cristãos. Buscaremos responder as seguintes perguntas: 1) A educação clássica é "a educação" ideal? 2) A educação clássica é cristã? 3) A educação cristã pode ser clássica? E finalmente, a questão mais crucial: 4) A educação cristã precisa ser clássica?
Este post tratará das duas primeiras perguntas, que apontam, negativamente, para os problemas e perigos que a educação clássica pode representar para aqueles educadores e alunos cristãos que adotam a educação clássica sem discernir suas bases e ênfases anticristãs. O próximo post tratará das possibilidades, da necessidade ou não e dos termos em que o modelo clássico poderia ser usado nas escolas e lares cristãos.
 
 
A Educação Clássica é Ideal?

Os gregos de fato buscaram conhecimento e desenvolveram ferramentas capazes de moldar, estimular, afiar e desenvolver o intelecto humano. Mas antes que os elevemos além do crédito que lhes é devido, e antes que adotemos indiscriminadamente seus métodos e práticas educacionais, precisamos lembrar que seu sistema educacional ficava aquém dos ideais cristãos em pelo menos três áreas principais:

1- Eles não tinham uma base sólida, uma fundação para sustentar o seu conhecimento, pois não possuíam aquele "temor do Senhor" que é o princípio do saber. Eles não possuíam um arcabouço apropriado para encaixar os conhecimentos que adquiram, nem um padrão para julgar o que é bom ou mal, e o que é verdadeiro ou falso. Desconhecendo as Escrituras Sagradas, faltava-lhes luz para o seu caminho; eles tropeçavam sem nem saber em quê. Faltava-lhes o esquema bíblico da Criação-Queda-Redenção que lhes fornecesse uma cosmovisão apropriada, onde eles poderiam encaixar e compreender a razão de ser e os propósitos dos fatos, o sentido da sua existência, e a interligação de toda a verdade, que só encontra unidade em Cristo e no seu propósito para o mundo. Por não crerem, por exemplo, na criação do homem à imagem de Deus, eles, apesar de verem a importância da razão e da educação das crianças, não hesitavam em abandonar a céu aberto os recém-nascidos que pareciam fracos ou doentes. Por não entenderem que o ser humano é caído, eles achavam que o homem era essencialmente bom, e que as virtudes que pregavam poderiam ser alcançadas se apenas a juventude as conhecesse e praticasse. Por não verem a necessidade de Redenção, eles não entendiam a necessidade de um novo nascimento, de um Salvador divino-humano, e sabemos que pereceram espiritualmente, longe da Verdade que poderia lhes libertar.

2- Eles confiaram num instrumento falido. Eles elevaram indevidamente a razão humana a uma posição altíssima, de salvadora e de redentora pessoal e social, por não possuírem a revelação sobre a queda do homem e sobre os efeitos distorcivos do pecado também sobre essa instância do ser humano; nós sabemos que a razão e a lógica humana também se tornaram depravadas com a queda, tendentes à falsidade, à mentira, à inversão da virtude pela injustiça, sendo tendentes ao ato mais ilógico e irracional, que é a adoração da criatura ao invés do Criador.

3- Eles não alcançaram o alvo do aprendizado. Eles jamais obtiveram a verdadeira sabedoria, que começa com o temor do Senhor, e que Deus dá a todos que, em humildade, pedem por ela; tampouco conheceram a sua fonte, o Senhor Jesus Cristo, em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos. Eles consideraram "loucura" a sabedoria de Deus, ignorando que a "loucura"de Deus é mais sábia do que os homens. Assim, eles ficaram muito aquém do alvo de todo conhecimento, que é o conhecimento de Deus e do seu Filho Jesus Cristo; eles não ofereceram o seu conhecimento a Deus como culto racional pela renovação da sua mente, e não deram a Deus a glória devida ao seu nome; não atingiram o propósito do conhecimento.

Assim, sem uma base apropriada, sem um padrão confiável, e sem um alvo digno para a sua construção filosófica, o edifício filosófico-pedagógico dos gregos, por mais duradouros que tenham sido seus efeitos na história ocidental, não resistiu, com respeito às suas bases e alvos, ao teste da filosofia e da pedagogia cristã, como o apóstolo Paulo buscou demonstrar no seu discurso em Atenas, e como ficou evidente na proliferação e no impacto social e religioso das igrejas cristãs nas cidades gregas de Éfeso, Corinto e Tessalônica, por exemplo. Os tratados clássicos não são cânons autoritativos. A Palavra de Deus, sim. O pensamento clássico nunca salvou a humanidade. Nosso Senhor Jesus Cristo, sim. Os melhores insights dos seus filósofos talvez tenham dado à Sócrates uma causa forte o suficiente para viver e até morrer, mas não lhe deram o caminho nem a esperança para a vida após a morte. Somente a verdade de Deus nos guia nessa vida com poder e nos conduz à cidade celeste. Assim, o que podemos aproveitar dos escombros da construção filosófica grega foram apenas algumas idéias que se aproximam da verdade, algumas ferramentas úteis e alguns materiais que podem ser usado em outras construções intelectuais. Uma idéia correta seria a valorização da razão humana (desde que vista da maneira correta). Algumas de suas ferramentas seriam os métodos de ensino da gramática, da dialética e da retórica. Os materiais que aproveitamos são os tijolos das artes liberais.

Assim, longe de ser "a educação ideal" para os cristãos, é possível, que, entendidas as ressalvas acima, a educação nos moldes clássicos ainda seja uma das opções mais sólidas dentre os demais modelos vigentes, e que teria a possibilidade de ser aproveitada em algumas de suas ênfases, práticas e matérias pela educação cristã, desde que saibamos julgar todas as coisas, reter o que é bom, e nos abster de toda forma de mal
 
A Educação Clássica é Cristã?
A educação clássica é cristã? O histórico que apresentamos sobre a sua origem e desenvolvimento deixa claro que a origem, os métodos, as ênfases e os seguidores da educação clássica não são primariamente cristãs, mas pagãos e seculares, embora muitos cristãos façam uso de certos métodos ou ênfases clássicas que parecem concordar com a Bíblia. Mas, estritamente falando, ela é uma invenção dos antigos gregos, que eram pagãos, idólatras e orgulhosos, e a educação estritamente clássica carrega consigo a visão de mundo de seus criadores, que por sua vez é repassada aos seus professores e alunos, e que representa um real perigo para educadores cristãos que inadvertidamente valorizem seus métodos e materiais acima dos princípios cristãos. Dentre estes perigos principais, ressaltamos:
1- O Perigo do Paganismo. Nem sempre as obras consideradas mais excelentes, escritas pelos autores clássicos, refletem os valores e a visão de mundo cristã. Muitas das leituras indicadas pelos currículos clássicos como indispensáveis para determinadas séries, as quais embasarão todo o currículo, são inapropriadas para certas faixas-etárias e para cristãos de determinada persuasão. Por exemplo, há pais cristãos que não querem expor suas crianças pequenas às histórias e tramas de guerras, assassinatos e traições comumente apresentadas nas obras clássicas; outros pais consideram a linguagem e as mensagens desses textos inapropriadas para seus filhos; ainda outros ressentem, com razão, a ênfase no estudo dos deuses da mitologia clássica e dos contos e fábulas pagãos no lugar da ênfase na história bíblica, dos grandes feitos de Deus, e da sabedoria cristã.
2- O Perigo da Idolatria. Referimo-nos aqui nem tanto ao risco das crianças virem a adorar os deuses da mitologia pagã, mas àquela idolatria sutil de se valorizar ideais diferentes dos cristãos; de se curvar antes aos ensinos dos filósofos do que aos dos profetas e apóstolos, de adorar a razão ao invés da sabedoria bíblica, e de se buscar a virtude do mundo sem a base da piedade e do temor do Senhor. A Educação Clássica focaliza e idolatra a razão como redentora da humanidade, e é possível que o refinamento da razão e o desenvolvimento da mente venha a se tornar um ídolo real para os nossos filhos.
A educação cristã, por sua vez, considera Deus e a sua Palavra como centrais, e ela segue o ensino bíblico de que o homem não é primariamente um ser intelectual, mas um ser espiritual, regido pelo seu coração. Além disso, considera que a queda afetou todas as instâncias do ser humano, inclusive a sua mente. Por isso, a educação cristã não é focalizada na razão, mas na alma, composta, por assim dizer, do coração, da mente e da consciência. A mente, por sua vez, que também tem um aspecto espiritual, é guiada pela fonte espiritual do coração, e jamais deve ser elevada acima deste, mas deve ser vista como boa ou má, como íntegra ou distorcida conforme for a situação espiritual do coração e da consciência. Por isso os cristão devem ter cuidado para não confundirem a educação da mente com a totalidade da educação cristã, que por ser espiritual, deve alcançar e formar todas as instâncias da vida humana, em todos os seus aspectos, espirituais, intelectuais, morais, emocionais, físicos, estéticos, sociais, relacionais, etc. Além disso, os educadores cristãos devem compreender que o parâmetro bíblico para a razão é a verdade, e a razão em si pode estar corrompida pelo desconhecimento da verdade, pelo ódio à verdade, e pelo compromisso com mentira. Desenvolver a mente da criança sem submetê-la ao temor de Deus, ao crivo da verdade bíblica, e à busca humilde pela sabedoria que é dom de Deus, pode formar inteligentes, argumentativos e sagazes inimigos de Cristo, ao invés de crentes piedosos e compromissados com o Reino de Deus e com a Sua verdade.
3- O Perigo do Orgulho Intelectual. Vimos que a educação clássica foi inigualável quanto ao desenvolvimento estritamente intelectual. Contudo, este mesmo fato tem representado um problema para os professores e alunos cristãos que adotam os métodos clássicos e sabem que eles estão acima da maioria no critério intelectual por conhecerem, por exemplo, as leis da lógica, por terem grande habilidade de persuasão nos debates, e por acabarem se destacando no meio acadêmico. Esses correm o risco de serem expostos àquele que é um dos maiores pecados, capaz de levar à sua destruição espiritual: o orgulho e auto-exaltação. O educador cristão Kevin Swanson comentou numa palestra sobre a educação clássica que ele nunca conheceu jovens tão pernósticos, indiscretos, cheios de si, argumentadores e desprezadores de outros do que os grupos de jovens (muitos deles de formação cristã) que ele encontra nos corredores dos eventos de competições estaduais e nacionais de debates entre os alunos de escolas clássicas. Que desserviço eles prestam para a igreja e para o mundo por usarem os conhecimentos e habilidades que adquiriram para glorificarem a si mesmos ao invés de usá-las para a glória de Deus e para a defesa humilde e amorosa do Evangelho!
 
 

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

ORGULHO ESPIRITUAL - JONATHAN EDWARDS

ORGULHO ESPIRITUAL – JONATHAN EDWARDS



A primeira e pior causa de muitos erros que prevalecem em nossos dias é o orgulho. Esta é a porta principal pela qual o Diabo adentra os corações daqueles que estão zelosos pelo avanço do reino de Cristo. Esta é a primeira passagem de fumaça proveniente de um poço sem fundo para escurecer a mente e corromper o julgamento e a alavanca principal pela qual Satanás toma posse dos cristãos para impedir a obra de Deus. Até que esta doença seja curada, os remédios são aplicados em vão para curar todas as outras doenças.
O orgulho é muito mais difícil de se discernir do que qualquer outra corrupção porque, por natureza, o orgulhoso é uma pessoa que possui um pensamento muito alto de si mesmo. Seria de se surpreender, portanto, que uma pessoa que possui um pensamento muito alto de si mesma não esteja plenamente ciente disso? Ele pensa que a opinião que ele possui de si mesmo tem uma justa base e, portanto, o seu julgamento não é tão alto. Como resultado, não há outra área na qual o coração seja tão enganador e insondável. A sua própria natureza é a de exercitar a auto-confiança e a de deixar de lado qualquer suspeição de mal com relação a si mesmo.
O orgulho toma muitas formas e figuras, e compreende o coração como as camadas de uma cebola – quando você retira uma camada, há outra embaixo. Portanto, nós precisamos manter a maior vigilância imaginável sobre os nossos corações com relação a esta questão e clamar com a maior sinceridade ao perscrutador de corações pela Sua ajuda. Aquele que confia em seu próprio coração é um tolo.
Visto que o orgulho espiritual é, em sua própria natureza, secreto, ele não pode ser bem discernido pela intuição imediata de si próprio. Ele é melhor identificado pelos seus frutos e efeitos, alguns dos quais eu mencionarei juntamente com os frutos contrários da humildade Cristã.
A pessoa espiritualmente orgulhosa já está cheia de luz em si mesma e sente que não precisa de instrução; portanto ela está pronta para rejeitar a sua oferta. Por outro lado, a pessoa humilde é como uma criança pequena que facilmente recebe a instrução. Ele é cuidadoso em sua estimativa de si mesmo e sensível ao quão sujeito ele está para se desviar. Se lhe é sugerido que ele está sendo desviado, ele está mais do que pronto para inquirir a questão.
Pessoas orgulhosas tendem a falar dos pecados dos outros – a miserável desilusão dos hipócritas, a morte de muitos santos em amargura, ou a oposição à santidade de muitos crentes. A pura humildade cristã, contudo, é silenciosa quanto aos pecados dos outros ou fala deles com tristeza e piedade. A pessoa espiritualmente orgulhosa encontra culpa em outros santos pela sua falta de progresso na graça enquanto o cristão humilde vê tanto mal em seu próprio coração e está tão preocupado com isso que ele não está habilitado a se ocupar demais com os corações de outros. Ele reclama mais de si mesmo e da sua própria frieza espiritual e prontamente espera que quase qualquer um possua maior amor e gratidão a Deus do que ele mesmo.
As pessoas espiritualmente orgulhosas muitas vezes falam de quase tudo o que vêem nas outras pessoas com a linguagem mais dura e severa. Eles frequentemente falam das opiniões ou da conduta ou da frieza de outros como sendo do Diabo ou do inferno. Comumente, o seu criticismo é direcionado não apenas aos homens ímpios, mas também contra os verdadeiros filhos de Deus e àqueles que são os seus superiores. Os humildes, contudo, mesmo quando possuem descobertas extraordinárias da glória de Deus, estão sobrecarregados pela sua própria vileza e pecaminosidade. As suas exortações a seus irmãos cristãos são dadas de uma maneira humilde e amorosa e eles tratam aos outros com a mesma humildade e gentileza que Cristo, que é infinitamente superior a eles, lhes trata.
O Orgulho espiritual muitas vezes dispõe as pessoas a agirem de modo diferente conforme a aparência exterior – a assumirem um comportamento diferente em sua fala, semblante ou comportamento. Contudo, o cristão humilde, embora seja firme em seus deveres – andando somente no caminho para o céu, ainda que o mundo todo o abandone – contudo ele não se deleita em ser diferente somente por ser diferente. Ele não tenta se colocar em uma posição de preeminência para ser observado como alguém distinto mas, pelo contrário, está disposto a ser qualquer coisa por qualquer um, a ceder aos outros, a se conformar a eles, e a agradá-los em tudo, senão pelo pecado.   
Pessoas orgulhosas se ofendem quando sofrem oposição ou julgamento, e são inclinadas a falar sempre dos outros com um ar de amargura ou desprezo. A humildade cristã, por outro lado, dispõe a pessoa a ser mais como o nosso bendito Senhor que, quando insultado, não abriu a sua boca, mas se comprometeu em silencio Àquele que julga retamente. Pois o cristão humilde, quanto mais o mundo, clamorosa e furiosamente, se dispõe contra ele, o mais silencioso e calmo ele será, a não ser em seu quarto de oração, pois ali ele não ficará em silêncio.
Outro padrão de pessoas espiritualmente orgulhosas é se comportar de modo a fazer de si mesmas o foco de atenção para os outros. É natural para alguém sob a influência do orgulho aceitar todo o respeito que lhe é pago. Se outros mostram disposição para se submeterem a ele ou para ceder em respeito a ele, ele está aberto a isso e pronto para aceitar tal respeito. Na realidade, eles vêm até mesmo a esperar tal tratamento e a formar uma má opinião sobre aqueles que não lhe dão aquilo que pensam merecer.
Alguém sob a influência do orgulho espiritual se sente mais habilitado a instruir a outros do que a fazer perguntas. Tal pessoa naturalmente se veste com os ares de um mestre. O cristão eminentemente humilde pensa que necessita da ajuda de todos, enquanto a pessoa espiritualmente orgulhosa pensa que todos precisam da sua ajuda. A humildade cristã, debaixo do senso da miséria dos outros, suplica e implora, enquanto o orgulho espiritual demanda e adverte com autoridade.
À medida que o orgulho espiritual dispõe as pessoas a assumirem muito para si mesmas, ele também as dispõem a tratar a outros com negligência. Contrariamente, a pura humildade cristã dispõe as pessoas a honrar a todos os homens. Adentrar em disputas quanto ao cristianismo é, certas vezes, inoportuno, contudo nós devemos ser muito cuidadosos para que não nos recusemos a discutir com homens carnais simplesmente porque os consideramos indignos da nossa atenção. Ao invés disso, devemos condescender aos homens carnais assim como Cristo condescendeu para conosco.

    

Jonathan Edwards (1703 – 1758) é um dos ministros, teólogos e filósofos mais reconhecidos da história americana. Este artigo foi traduzido e adaptado da seção: “Pensamentos Concernentes ao Reavivamento Presente da Religião na Nova Inglaterra”, extraído de: “As Obras de Jonathan Edwards”, publicado pela Banner of Truth Trust, Carlisle, Pennsylvania.             

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

EDUCAÇÃO CLÁSSICA CRISTÃ? Histórico: Parte 2


O Ressurgimento da Educação Clássica


 

A excitação das sociedades contemporâneas que abandonaram os métodos tradicionais em busca de uma educação mais moderna e progressista não durou muito. As propostas construtivistas de Dewey e de outros progressistas e cientificistas foram rapidamente colocadas em prática especialmente nos Estados Unidos, que começou a usar a educação como propulsora da corrida tecnológica pela formação de profissionais que apoiassem a sua economia capitalista, e como difusora das novas ideologias liberais e secularizadas. A ironia é que países de terceiro mundo, de tendências socialistas e comunistas - como o Brasil - se enamoraram das mesmas correntes e técnicas pedagógicas para inculcar em seus alunos um ideal de oposição ao pensamento liberal ocidental e de defesa dos ideais sócio-políticos marxistas. A afinidade entre esses grupos contra a educação clássica provém do fato de que verdades absolutas, pensadores independentes e pessoas com uma formação integral constituem uma ameaça para ambos os sistemas.

Os métodos progressistas foram testados nos Estados Unidos especialmente no século XX e XXI. A partir das décadas de 60 e 70 algumas vozes já apontavam para a defasagem intelectual dos alunos formados nesse novo sistema. Em 1947, a classicista Dorothy Sayers escreveu o artigo "As Ferramentas Perdidas da Aprendizagem". Livros como "As Sete Leis do Ensino", de John Milton Gregory foram republicados. Pais começaram a tirar os seus filhos da escola e ensiná-los em casa pelos métodos que tinham aprendido com seus pais e avós. Um renascimento educacional estava às portas, e o movimento pela educação clássica surgia nos Estados Unidos em resposta e denúncia ao fracasso acadêmico das escolas modernistas. Com o respaldo do governo, as escolas públicas progressistas continuaram indo de mal a pior, e escolas privadas tradicionais, além do movimento de homeschooling, deram impulso ao movimento atual pela educação clássica, mais individual, e mais acadêmica. Pais começaram a pesquisar por si sós o que havia de melhor para seus filhos e muitos encontraram a solução de seus problemas nos métodos e materiais clássicos. E esses alunos começaram a se destacar acadêmica e até moralmente em comparação com os provenientes das escolas públicas modernas.

Como acontece em outros países de terceiro mundo, o Brasil está bem atrasado na implementação dessas mudanças. Os nossos cursos de pedagogia agora que estão defendendo e buscando implementar aquela educação progressista que tem se demonstrado um verdadeiro fracasso acadêmico nos Estados Unidos e em outros países de vanguarda. Mas isso realmente não incomoda o nosso governo, a não ser quando o Brasil é apontado como os últimos das listas mundiais no quesito acadêmico. Nossas autoridades políticas, pedagógicas e sociais  parecem ter como seu ideal crianças e jovens iletradas, impensantes, sem poder, desinformadas, acríticas, seguidoras dos ditames da moda, da mídia, e de estadistas com viés ditatoriais e corruptos, a julgar pela falta de bons livros nas escolas, pelos ridículos programas "culturais" da mídia, e pelas ênfases ideológicas dos parâmetros curriculares nacionais.

Contudo, também em nosso país, alguns pais conscienciosos têm se incomodado com esta situação. Eu gostaria de poder dizer que estes pais que tem se levantado contra esse problema são em sua maioria cristãos, mas, assim como nos EUA, não tem sido sempre assim. Muitos destes pais são simplesmente pessoas de bom senso, profissionais bem sucedidos, em geral de classe média, católicos ou pessoas de pensamento mais tradicional, que têm buscado para seus filhos uma educação melhor do que a que têm sido oferecida nas escolas atuais, uma educação mais parecida com a que estes pais tiveram e que lhe capacitaram com as habilidades básicas para serem proficientes em suas profissões. Em geral, os pais que estão buscando uma educação mais clássica e tradicional estão visando simplesmente um melhor futuro acadêmico e profissional para seus filhos, mas devido a carência de material, têm pouquíssimas alternativas em nosso país, a não ser mandar seus filhos para estudar no exterior, ou retirar os seus filhos da escola e ensiná-los em casa por si mesmos ou com o auxílio de tutores. Cito aqui o crescimento da ANED- Associação Nacional de Ensino Domiciliar - e a realização de alguns congressos por parte de instituições protestantes e católicas que têm introduzido a educação clássica para um público cada vez mais interessado. Acredito que, assim como aconteceu nos Estados Unidos, esses pais descobrirão na educação clássica um renascimento acadêmico, e esperamos que os pais cristãos despertados por esse renascimento intelectual das letras e do pensamento encontrem na educação cristã um reavivamento espiritual que mude para sempre e impacte para a vida da família, da igreja e da sociedade.

Continua...

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

OS PEQUENOS SERVOS DA PEQUENA SUSY - PARTE IV

 Se você ainda não leu os capítulos anteriores, clique aqui: 

 Capítulo IV


Não muito depois da Susy ter enviado a sua carta, a sua mãe trouxe uns sapatos e meias bem pequeninos para ela. A Susy ficou muito contente e, de início, ela ficava desamarrando e tirando os seus sapatos. Mas um dia, quando ela acordou do seu cochilo, ela conseguiu agarrar nos dois lados do seu berço e se levantar direitinho nele. Agora ela estava aprendendo que os seus pés não serviam apenas para brincar, mas também para ficar de pé. Ela ficou tão feliz! Ela começou a se segurar nas cadeiras, e no vestido da sua mãe, ou nas pernas da mesa, tentando se levantar para ficar de pé, e logo, logo, ela poderia ficar de pé apoiada em uma cadeira e brincar com os seus brinquedos por um bom tempo e se a cadeira se movesse um pouquinho, ao empurrá-la, os seus pés se moviam também; primeiro um, depois o outro, aprendendo a andar. Quão encantados ficaram todos quando, um dia, a Susy levantou no meio da sala e andou até o outro lado da sala! Seria difícil dizer quem sorriu mais, se a Susy, ou o seu pai ou a sua mãe.
Agora a Susy tinha aprendido a usar todos os seus pequenos servos, com exceção da sua língua. E você deve saber que a sua mãe estava lhe dando muitas lições neste assunto todos os dias. Isto é, ela continuava lhe adulando e pedindo  a ela que dissesse “papai”, e eu não sei quantas centenas de vezes por dia ela lhe pedia: - diz papai! Mas a Susy não falava “papai” e todas as lições particulares eram em vão. Mas uma noite, quando ela estava incomodada com os seus dentinhos nascendo e não conseguia dormir, ela esticou a mãozinha e disse: “Livro”! Para o deleite da sua mãe, que já não tinha dúvidas de que a sua bebê seria realmente muito fã de livros! Agora a Susy tinha descoberto que a sua língua era muito útil, pois a sua mãe lhe deu o livro que ela tinha pedido, e então logo ela começou a dizer muitas outras palavras.
Você já tinha pensado antes em quanto tempo leva para um bebê aprender a usar os pequenos olhos e mãos e pés que Deus tem sido tão bom ao lhes conceder? Se você observar o seu irmãozinho ou irmãzinha, você verá o quão desajeitados eles são, de início, para usar as suas mãos, e você não lembra o quanto você ansiava ouví-lo dizer as suas primeiras palavras e vê-lo andar para todos os lados com os seus próprios pezinhos?

Mas todo este tempo eu só tenho falado sobre as mãos e os pés da Susy, e das suas orelhas, olhos e língua sendo úteis a ela mesma, e não tenho dito palavra alguma sobre as coisas que eles podem fazer para as outras pessoas. Agora, não é provável que Deus tenha destinado que qualquer criança viva neste mundo, onde há tantas coisas para serem feitas, sem fazer nada para o seu pai ou a sua mãe e nada por Aquele que fez tanto para a sua própria felicidade e conforto. E Ele é tão bom, e ama agradar aqueles que Lhe amam, que muito antes da Susy ter idade suficiente para entender isso, Ele ensinou as suas mãozinhas de bebê a começar a fazer algumas das coisas mais doces para as quais elas foram criadas. Quando, no meio de uma noite em claro, na qual a mãe da Susy a vigiava, e cantava para ela, e cuidava dela, ela tinha tão grande recompensa por este trabalho, um pagamento tão precioso por toda a sua fadiga, que até mesmo uma rainha a teria invejado. O que você acha que era? Ora, era sentir as mãozinhas da Susy agradarem e acariciarem o seu rosto no escuro da noite, ou descansarem amorosamente nas mãos da sua mãe, ou abraçando o seu pescoço com todas as forças que um bebê pode ter. Então uma emocionante alegria enchia o coração da sua mãe, e ela esquecia de todos os problemas que existem neste mundo e agradecia a Deus por ter lhe dado um bebê por quem viver e trabalhar, e um bebê para amar e lhe trazer conforto.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

EDUCAÇÃO CLÁSSICA CRISTÃ? (Parte I)


Educação Clássica Cristã

 

Parece crescente o número de pais e educadores que têm se mostrado curiosos sobre a educação clássica, fenômeno educacional moderno que tem se difundido no meio educacional, com o surgimento de muitas escolas dessa persuasão, e com um crescente número de adeptos na educação domiciliar. Seus aderentes têm exaltado o seu currículo diferenciado, o sucesso de seus métodos de ensino e os excelentes resultados acadêmicos dos seus alunos, tanto no contexto do homeschooling, como nas escolas e cooperativas clássicas que têm se multiplicado, especialmente em países de língua inglesa, a exemplo dos Estados Unidos. Nesse pequeno artigo, gostaria de fornecer aos leitores um breve histórico e caracterização deste modelo educacional e de sua prática; em seguida, me proponho a apresentar algumas observações sobre o método clássico de uma perspectiva cristã. E finalmente busquei indicar algumas leituras adicionais para quem deseja estudar mais o tema ou conhecer materiais didáticos e instituições adeptas dessa tendência.

I- Histórico


 

Origem da Educação Clássica


 

A educação clássica no sentido mais estrito e histórico do termo se refere ao modelo educacional desenvolvido pelos gregos antigos, especialmente creditado a Aristóteles, para o desenvolvimento da razão humana segundo as perspectivas e necessidades do seu contexto sócio-político.  Interessados como eram os filósofos gregos na arte da lógica e da aquisição de conhecimento, seja com base no método platônico de buscar esse conhecimento no mundo abstrato das idéias, ou no método aristotélico que valorizava mais o conhecimento do mundo físico, eles formularam um ideal educacional que visava formar pensadores altamente racionais; cidadãos virtuosos e úteis à sociedade, e excelentes oradores com habilidade para expor, discutir e propagar os ideais da civilização greco-romana por meio da política, da filosofia e de uma educação liberal, própria aos cidadãos livres, que, ao aprenderem a pensar, seriam "libertos" da ignorância e elevados a uma categoria mais humana, mais excelente. Para isso, os pequenos cidadãos dessa sociedade "iluminada" deveriam ser formados nas Artes Liberais, ou seja, num conjunto de sete disciplinas que buscavam exatamente a formação intelectual e acadêmica de cidadãos pensadores e livres. Essas sete disciplinas eram divididas em duas etapas, que seriam apropriadas aos diferentes estágios de desenvolvimento da pessoa: o trivium consistia no ensino de disciplinas básicas e instrumentais através da gramática, da lógica e da retórica, e compreendia todo o ensino fundamental e médio. Já mais a nível universitário, os alunos poderiam se aprofundar no quadrivium, que compreendia a música, a aritmética, a astronomia e a geometria.

 

O Método Clássico: O Trivium e o Quadrivium


 

A primeira etapa do trivium era mais apropriada àquela fase inicial em que as crianças menores, ávidas por absorver uma grande quantidade de informação, e com grande facilidade de memorização, embora ainda não capazes de desenvolver o pensamento formal, eram ensinadas, por meio da repetição e memorização, as leis e os fatos principais da "gramática" das línguas, da matemática e dos diversos assuntos, os quais elas iriam, no momento, absorver pela memorização para serem desenvolvidos e aplicados no futuro. Essa fase do desenvolvimento do pensamento ficou conhecida como a "fase gramatical", e as escolas especializadas nesse nível da instrução vieram a ser chamadas de escolas de gramática, pois buscavam ensinar às crianças as leis e princípios fundamentais das disciplinas instrumentais. Nessa fase as crianças aprendiam a ler e a escrever, por vezes mais de uma língua, a realizar operações básicas matemáticas, ("a gramática da matemática"), e eram apresentadas pela primeira vez a muitos fatos simples envolvendo perguntas como "o que? Quem? Quando? Onde? além de virtudes e habilidades considerados importantes para as fases subsequentes.

 

Numa fase posterior (grossamente dos 8 aos 12 anos) as crianças, já bem estabelecidas na sua capacidade de ler bem, e supridas dos conhecimentos e habilidades necessárias para dar prosseguimento à sua formação liberal, agora na fase lógica, iriam  aprender a desenvolver a sua mente racional. Por meio dos princípios da lógica e da arte da dialética, o professor fazia uso de perguntas elaboradas com vistas a acessar o conhecimento dos fatos que a criança já possuía para guiar as suas pupilas a um conhecimento mais profundo dos fatos, ao conhecimento de novos fatos, e à percepção da interligação entre eles, das noções de causa e efeito, sempre por meio de um método lógico e racional. A criança aprendia a fazer perguntas que a levassem a um nível mais elevado de conhecimento, que agora incluíam o "Por quê, o Para quê e o Como" de assuntos apropriados à sua idade e fase de desenvolvimento. Até aqui a criança está aprendendo por meio da memorização e está treinando a razão a fazer perguntas que a levem ao conhecimento do mundo, mas ela ainda não é considerada capaz de expressar-se de maneira original e criativa sobre o mundo.

 

A partir dos doze anos, agora capacitados com as habilidades instrumentais necessárias para buscar o conhecimento por si próprios; já bem treinados a aprofundarem-se no conhecimento do mundo por meio de perguntas lógicas e metódicas; e com a mente suprida de muitos e variados fatos e conexões de fatos, os jovens seriam estimulados, na fase retórica, a aperfeiçoarem a sua capacidade de expressão pessoal criativa e estética sobre assuntos mais analíticos e controversos. Por meio da retórica, dos debates e da arte da argumentação persuasiva, os jovens aprendiam a ser membros ativos da sociedade livre a que pertenciam, participando da política, das artes, e contribuindo para os avanços científicos da época.

Somente aqui eles iriam desenvolver o seu intelecto ao mais alto grau, focalizando agora na expressão de opiniões próprias bem firmadas em fatos e argumentos lógicos, e na beleza artística e habilidades de persuasão da linguagem falada e escrita.

 

Após dominado o trivium, o estudante, no que agora corresponde ao grau universitário, estudaria o quadrivium – música, aritmética, astronomia e geometria – que podem ser vistas em linhas gerais como espécies de verdade:

A música incluiria verdades estéticas, a percepção da harmonia ordenada da beleza, que era vista não como mero prazer subjetivo, mas como um absoluto. A Aritmética incluiria os absolutos matemáticos intrínsecos ao universo e à pura idealização.  A astronomia compreenderia todas as ciência empíricas, as verdades percebidas pelos sentidos e pelas provas externas. A geometria incluiria a arquitetura e o desenho, as relações espaciais implícitas tanto na engenharia como nas artes visuais. (VEITH, 1999, p. 87)

 

Desenvolvimento Histórico da Educação Clássica


 

Não há dúvidas de que esse tipo de educação formou excelentes pensadores, matemáticos, políticos e oradores. Tendo um insight verdadeiro sobre as características e estágios de desenvolvimento da mente humana, os gregos supriram a educação de um modelo de desenvolvimento acadêmico que sobreviveu incontestável por muitos séculos, tendo até hoje adeptos. O apóstolo Paulo e os pais da igreja, os mestres medievais, os grandes pensadores do renascimento, os reformadores, e os puritanos do século VXII, que fundaram as grandes universidades na Inglaterra e na América do Norte, todos foram formados segundo as linhas gerais do modelo clássico. Vemos, portanto, que o método clássico tem seus adeptos seculares e cristãos, prestando um serviço a educadores de origem e propósitos muito diversificados. Seus métodos são como ferramentas, recentemente redescobertos como as "ferramentas perdidas da aprendizagem", que como martelos, serras, e pás, serviriam tanto para a construção da cidade dos homens ou da igreja de Deus.

 

Declínio da Educação Clássica


Somente nos últimos séculos, que seguiram às grandes revoluções, a educação clássica passou a ser vista como inadequada aos novos ideais sociais, e foi progressivamente desgastada e denunciada ora como elitista demais para a classe proletariada, ora como idealista e teórica para a era pragmática e industrializada, ora como uma ameaça aos interesses dos governos tiranos, ditatoriais e comunistas, ora como ultrapassada diante das novas pedagogias progressistas e relativistas. Contudo, na prática, todo conhecimento intelectual verdadeiro continua sendo estritamente adquirido pelo método clássico, quer você esteja aprendendo a ler, a fazer uma receita de bolo, a construir um avião, ou a tocar piano: primeiro nós entramos em contato com um fato que precisamos memorizar ou reter. Depois nós trabalhamos esse fato em nossa mente por meio de perguntas e etapas lógicas; e finalmente nós expressamos esse conhecimento aplicando-o às situações da vida. Isso acontece porque a gramática, a dialética e a retórica correspondem às leis da aquisição acadêmica do conhecimento; são as fases principais do aprendizado intelectual. Qualquer educação que subverte essa ordem, ou ignora uma dessas etapas está fadada a desmoronar, razão porque os métodos pedagógicos progressistas atuais estão levando a um buraco que muitos pais e educadores estão tentando remediar, perguntando-se: Qual é o problema com a educação atual? Porque as crianças modernas da era tecnológica estão academicamente defasadas academicamente em comparação com as gerações anteriores?

 

Continua...

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

OS PEQUENOS SERVOS DA PEQUENA SUSY - CAPÍTULO III

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CAPÍTULO III


Contudo, uma certa manhã, quando ela estava com apenas dez semanas de idade, a Susy começou a brincar com um brinquedo. O que você acha que era? Era a sua própria mãozinha! Ela a sentiu, a levantou e olhou para ela, a provou e admirou bastante. Até mesmo um sério juiz, sentado em sua poltrona e parecendo tão sábio quanto o Rei Salomão, dificilmente poderia parecer mais sério e sábio do que a Susy quando ela primeiramente descobriu que possuía duas mãozinhas! E como ela as virava, enroscando os seus dedinhos miúdos, girando-os e dobrando-os para todos os lados! Agora ela achava que tinha descoberto para que serviam aquelas coisinhas que até então não faziam nada senão dar tapas, arranhar e engordar. Ora, elas serviam como brinquedos, com certeza! E ela nunca precisaria chorar para chamá-las, ou levantar para procurá-las, pois ali estavam elas, sempre pertinho e sempre tão gostosas e macias! E assim a Susy brincava com as suas mãos, e conversava com elas, e as contava histórias em Grego, ou Latim ou Holandês, ninguém sabe, e estava assim muito animada e contente.
A sua mãe estava muito contente em ver Susy brincando com as suas mãozinhas, e depois de um tempo ela lhe ofereceu um pedacinho de papel. A Susy olhou para ele e queria pegá-lo. Mas as suas mãos não sabiam como fazer isso; elas só serviam para brincar uma com a outra. Mas elas queriam aprender a segurar coisas para a Susy, e começaram a praticar bastante, todos os dias, até que, enfim, elas aprenderam a segurar o seu chocalho para ela, e depois uma laranja, e depois um molho de chaves. Quão boas servinhas eram as suas mãozinhas! Você não acha? E mais ou menos nessa época, a Susy fez uma grande descoberta; ela descobriu que ela tinha dois pezinhos só dela e achou que seria uma boa ideia agarrar um deles e colocar em sua boca. Ela trabalhou muito diligentemente até se suceder nisso, ela era uma bebê tão ocupada que quase não encontrava tempo para tomar o seu café-da-manhã. Eu suponho que ela pensava que aqueles dois pezinhos gordinhos só serviam para ela brincar com eles, assim como ela havia pensado sobre as suas mãozinhas.
Talvez você gostaria de ler uma carta que a Susy escreveu para o seu priminho sobre este período. Eu imagino que ela tenha pedido à sua mãe ou a alguém para escrevê-la por ela:
“Meu querido primo,
Desde que eu lhe escrevi, eu já cresci bastante, pois estou agora com seis meses de idade. Eu ainda não consigo sentar sozinha, pois quando eu tento fazer isso, eu caio para os lados. Mas com uma almofada atrás de mim, eu consigo sentar muito bem e brincar com os meus brinquedos. Eu tenho uma antiga cesta cheia pela metade com os meus brinquedos, sobre os quais eu lhe contarei. Primeiro, eu tenho um anel de marfim com um fio azul nele, mas eu não penso grandes coisas dele. Depois, eu tenho uma grande rolha de garrafa que veio de um galheteiro de vinagre. Terceiro, eu tenho dois carretéis amarrados juntos, e atado a eles, de alguma forma, está um pedaço completo de fita que eu agarrei da cesta da minha mãe e chupei até ela dizer que não servia para mais nada e que eu posso até ficar com ele. Quarto, eu tenho uma tampa que veio de uma garrafa de alguma coisa doce, pois ela é muito gostosa. Eu gosto muito desta tampa, tanto que eu até deito no chão e brinco com ela como um gato brinca com um rato. Eu tenho ainda uma metade de uma moeda com um buraco no meio que a minha avó me deu; mas eu sempre choro quando brinco com ela, pois ela é tão dura que dói na minha boca. Eu tenho muitos retalhos que a minha mãe me deu. Quando ela corta as minhas camisolas, ela me dá os pedaços que estão sobrando e alguns são brancos, outros rosa e outros azuis. Você sabe que eu começarei a usar camisolas curtas logo, logo. Mas as minhas coisas favoritas para brincar são duas varetas vermelhas que eram parte de um antigo leque que a sua mãe deixou aqui. No outro dia, eu estava deitada no chão e pensei em tentar até onde eu conseguiria enfiar uma delas na minha garganta. Depois de empurrar um bocado, eu comecei a chorar. A minha mãe me segurou para cima e puxou-as para fora, mas a minha garganta estava arranhada e dolorida, então eu acho que não vou mais tentar enfiá-las tanto da próxima vez.
Às vezes eu faço uma visita à nossa velha gata e os seus três gatinhos. Eu falo com eles o mais alto que eu consigo, mas eles não parecem entender o que eu digo. E eu não sei porque, mas eles não gostam quando eu tento colocar os seus rabos na minha boca. 
Eu sinto muito dizer que à medida que eu cresço em sabedoria, eu também me torno mais levada. Eu sempre choro todas as vezes que a minha mãe está me limpando ou vestindo, e fico muito zangada com ela pois eu não gosto que façam isso comigo. E no momento que eu lhe vejo tirar a minha cesta de mim à noite, para me vestir e colocar pra dormir, eu choro com todas as minhas forças e não paro de jeito nenhum até sentir alguma coisa macia na minha boca. Ontem à noite, enquanto eu brincava no chão com a minha amada tampa, a minha mãe veio por trás e desatou os meus botões e tirou toda a minha roupa por trás, então desta vez eu não chorei. Eu tenho dois pés que eu julgo muito úteis para chutar quando estou com raiva, e duas mãos para pegar os brinquedos quando eu quero brincar, e dois olhos que me mostram figuras e outras coisas bonitas e que não descansam nunca, exceto quando eu estou dormindo. E se você um dia responder esta carta, eu tenho duas orelhas para ouvir a sua carta sendo lida.
Eu sou uma bebê muito boazinha logo quando eu acordo, pela manhã. Eu fico deitada na cama por um bom tempo, brincando com os meus pés ou com qualquer outra coisa que eu consiga alcançar. Às vezes eu desamarro o capuz da mamãe e às vezes eu arranho e puxo as suas bochechas e o seu queixo. Muitas vezes, eu quase arranco o nariz do papai do seu rosto, pois eu não sei para que ele precisa dele quando está dormindo. Isso não lhe relembra dos seus velhos tempos, três ou quatro anos atrás, quando você era um bebê? Se você vier aqui um dia, eu não sei o que eu farei para lhe entreter, pois eu ainda não sei falar. Eu provavelmente arranharei o seu rosto e puxarei o seu cabelo, e colocarei os meus dedos nos seus olhos, pois eu não sei fazer muita coisa além disso, já que sou um bebê tão pequeno. Eu estou muito cansada agora e precisarei me despedir, mas qualquer dia eu lhe escreverei novamente.
Da sua priminha,

Susy.”