“Como Maçãs de Ouro em salvas de prata, assim é a palavra dita a seu tempo.” (Pv. 25.11)

“Feliz o homem que acha a sabedoria e o homem que adquire o conhecimento;
... é Árvore de Vida para os que a alcançam, e felizes são todos os que a retêm." (Pv. 3:13,18)

segunda-feira, 29 de julho de 2013

A Educação no Éden - Parte 2 - A BÍBLIA COMO A FONTE DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO*



Ainda não leu a Parte 1? "O Éden como o Início da História da Educação" - Clique aqui


 

* Trecho extraído da Obra: O Princípio da Educação, por Karis B. G. Anglada Davis, da Parte 1: A Educação no Éden:

O Princípio da Excelência Educacional.  

 

A Bíblia como a Fonte da História da Educação Cristã


O leitor pode ainda estar pronto para fazer mais uma pergunta básica: Por que eu deveria crer no Éden, nesta história tão remota e em sua explicação e interpretação educacional? Qual a fonte dessa história educacional cristã? Ela é autoritativa e confiável? Como ela chegou até nós? Quais as credenciais do historiador? Que cientista a descobriu? Ou que filósofo a explicou? A questão que está em jogo é se a visão bíblica do mundo original é uma teoria ou um fato, se a educação deve ir a Bíblia com suas suposições e críticas, ou se esta se apresenta como verdade e autoridade para a educação.

A veracidade e a autoridade da revelação bíblica


O início da história bíblica e a visão de mundo que orienta a educação cristã não foi inventada por homens, nem proposta por grandes filósofos ou teólogos. Este é precisamente o caso das muitas filosofias educacionais atuais, não raro chamadas pelo nome de seus criadores, que, como bem sabemos, não passam de criaturas falíveis e limitadas. Pelo mesmo motivo, essas cosmovisões têm falhas, lacunas e enganos que o próprio tempo insiste em apontar. A visão de mundo apresentada nessa história educacional que estaremos contando é uma cosmovisão revelada. Seus princípios e pressupostos nos foram dados de fora, de cima, de maneira sobrenatural, inspirada e inerrante por Aquele que é onisciente e inalcançável, mas que escolheu Se revelar aos homens por meio de letras humanas, o próprio Deus vivo e verdadeiro, o Criador e Sustentador do Universo, a Sabedoria em pessoa, ou, como o apóstolo João o apresenta: o Verbo, a própria Palavra criadora, a Palavra final.

Uma das principais provas de que a visão de mundo bíblica é única e verdadeira é que ela nos revela coisas que jamais poderíamos descobrir ou deduzir pela pesquisa humana. Trata-se de uma história que não poderia ser inventada ou concebida por homem algum. Que mortal poderia ter autorado aquelas inescrutáveis sentenças: "No princípio, criou Deus os céus e a terra. A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas" e "Disse Deus: Haja luz, e Houve luz!"(Gn. 1:1-3)? A narrativa bíblica do início do mundo e da história do Éden chega a nós com o peso e a autoridade da própria palavra de Deus, como sendo a interpretação divina das coisas, revelada a nós no livro de Deus. J. Gresham Machen nos assevera sua autoridade:

A Bíblia é o livro de Deus, não do homem. Outros livros dão conselhos bons e conselhos maus; este livro nos dá apenas conselhos bons, ou melhor, ele nos dá mandamentos que vêm com toda a autoridade do soberano Deus. Eu não estou tentando apresentar a vocês coisas que eu descobri por mim mesmo, e eu não estou tentando ajudá-lo a descobrir coisas por vocês mesmos; mas eu estou pedindo a vocês que ouçam juntamente comigo ao que Deus nos falou em Sua Palavra.[1]

Como indica Machen, a única resposta aceitável de nossa parte é acatar, com gratidão, humildade e espanto, a simplicidade e a clareza de uma verdade histórica que não tínhamos nem a capacidade nem o direito – mas que temos o privilégio! – de possuir. Por mais longe que os historiadores da educação não-cristãos queiram ir, e por mais que eles busquem os fundamentos da educação na antiguidade mais remota, eles não podem contar o início da história.

Somente os cristãos podem contar a história da educação humana desde o seu início, descrevendo o seu contexto, o primeiro ambiente educacional, o seu Professor, o seu aluno, o seu conteúdo, e podem, a partir dessa visão original, compreender o sentido e o propósito da educação. Isso só é possível porque a fonte dessa história tão antiga não está no próprio homem, em suas imaginações filosóficas ou descobertas arqueológicas. Ela está em Deus. Somente Deus conhece o início da história, e pode nos esclarecer essas questões tão essenciais. E Ele revelou essa peça tão fundamental do quebra-cabeça histórico-educacional de maneira sobrenatural, inspirando homens a escreverem de maneira inerrante a Sua própria Palavra. A Bíblia relata infalível, verdadeira e claramente, com a autoridade do próprio Deus, tudo o que precisamos saber para explicar, motivar e reger a nossa educação cristã. O objetivo das Escrituras é contar a história da redenção do homem, e como veremos ainda neste livro, a história da educação está profundamente intricada nela.

Além de ser a única fonte autoritativa da história educacional do homem, a Bíblia é também o único fundamento sólido para a filosofia educacional cristã, e consequentemente, para toda a prática educacional. Os princípios educacionais, antropológicos, epistemológicos, sociológicos, etc. de que precisamos devem emergir do seu ensino. Como assevera Norman De Jong: “A própria Escritura se torna a base para todo crer, para todo conhecer, e assim, para todos os pensamentos referentes à educação. É da Bíblia, a Palavra de Deus para o homem, que o cristão irá aprender”.[2] A revelação escrita de Deus é a única luz que temos para ver o primeiro momento histórico da educação, e para podermos ter luz em nossa jornada em busca de uma filosofia educacional cristã. É na sua luz que vemos a luz (Salmo 36:9). Ela é lâmpada para os nossos pés e luz para o nosso caminho. (Cf. Salmo 119:98-105).

A singularidade e suficiência da visão original bíblica


Finalmente, devemos enfatizar que essa visão de mundo oferecida nos primeiros capítulos da Bíblia em forma de um relato histórico é uma visão abrangente, suficiente e profunda. Ela trata de todos os tópicos que compreendem uma cosmovisão, numa ordem lógica e consistente com a realidade: Deus, o homem, o mundo, o conhecimento, a origem do mal, o propósito da vida e das atividades humanas, a esperança da humanidade, etc. É uma visão suficiente para explicar coerente e definitivamente a origem do universo, a maneira pela qual tudo existe e o propósito de todas as coisas. Ela vai à raiz de todos os problemas e revela tudo o que precisamos saber com profundidade e precisão.

As culturas pagãs também conceberam histórias sobre a “origem” do mundo, mas nunca puderam explicar a história toda. Conceberam deuses que, longe de apresentar os atributos divinos da onipotência e da auto-suficiência eram seres criados, limitados, cheios de defeitos e falhas. A própria explicação moderna e supostamente científica da teoria da evolução, além das várias lacunas e enganos, nunca conseguiu explicar a origem dos elementos, forças e condições que ocasionaram a famosa explosão do “Big Bang”, e os seus seguidores estão apoiados em sua fé numa fórmula anti-científica e jamais provada que postula que [o acaso + milhões de anos = complexidade do universo e da existência humana].

Nós, cristãos, colocamos nossa fé na Palavra da Revelação de Deus aos homens, e defendemos a visão de mundo bíblica que, ao contrário, é precisa e profunda, como estaremos verificando mesmo neste capítulo incipiente da história. Sobre a singularidade da história bíblica, o Dr. Lloyd-Jones fez a seguinte afirmação: “A Bíblia nos apresenta uma visão de mundo definida, concreta e abrangente que é absolutamente diferente de qualquer coisa que você pode encontrar em qualquer outro lugar”.[3] Sobre a sua relevância, ele afirmou: “Não há um livro mais atual no mundo do que esse livro antigo, que chamamos de Bíblia. Ele trata de homens e de mulheres. Ele trata de você. Ele trata de todos nós assim como estamos e onde nos encontramos. Ele fala à nossa própria condição e nos apresenta um modo de vida”. [4]. E sobre a sua veracidade, este autor acrescentou:

...a única visão do homem, da mulher e da vida no mundo que realmente faz jus aos fatos, a única visão que explica porque nós somos individualmente como somos nesse momento, porque o mundo é como é, e porque a história tem sido como tem sido, encontra-se nas páginas da Bíblia. Eu estou aqui para contender que somente esse livro tem uma explicação adequada. Se você adotar qualquer outra visão, você descobrirá que ela lhe desapontará num ponto ou noutro. A Bíblia, eu repito, afirma ser um livro único, um livro dado por Deus de várias maneiras, por intermédio de homens e reunido em um. E o que ela faz, é claro, é nos dar um relato das coisas que são vitais, primárias e fundamentais.[5]

E, de fato, Deus começa a Bíblia com narrativas e acontecimentos fundamentais. A existência de um Deus Pessoal, a sua obra da criação, a origem do mundo e do homem, a perfeição desse estado original, o surgimento do mal no mundo, a queda do homem, suas conseqüências para o homem e para a natureza e o anúncio da vinda de um redentor e da continuação da história humana até o tempo determinado por Deus para julgamento; todos esses são temas que determinam a totalidade da visão de mundo cristã.

Há um sentido incipiente, porém verdadeiro, em que os três primeiros capítulos da Bíblia nos contam a história toda. Isso acontece porque o Éden nos revela a intenção original de Deus para a vida do homem no mundo, como coloca o escritor educacional reformado De Jong: “O primeiro estado descrito pode ser chamado de estado original ou desejado do homem. Apesar da narrativa Bíblia desse estado ser muito curta (Gn. 1 e 2), há informação suficiente ali, e em passagens subsequentes, que podem ser encontradas e aplicadas ao processo que chamamos de educação”.[6] E o Capítulo 3 de Gênesis nos conta como o homem e o mundo se afastaram desse ideal divino e se encontram como os conhecemos hoje, e ainda oferece um raio de esperança ao apresentar a promessa de que os planos de Deus não seriam ultimamente frustrados, e um dia um salvador viria para desfazer os efeitos da queda e recriar o homem e o mundo perfeitos. A mensagem do Éden é, por todos os ângulos, como descreve Lloyd-Jones, essencial para a compreensão da história e da educação humana. Comentando sobre a importância do capítulo 3 de Gênesis como o final da importante narrativa compreendida nos três primeiros capítulos da Bíblia, o Dr. Lloyd-Jones afirma:

Não há dúvida nenhuma de que, julgado por quase todo ângulo que você queira olhar, Gênesis 3 é um dos mais importantes capítulos da Bíblia... a Bíblia toda é a história de Deus lidando com homens e mulheres. É a história da redenção. E o que dá a esse terceiro capítulo do livro de Gênesis tal importância excepcional é que aqui é-nos contada a história de como o homem caiu do bom estado no qual Deus o havia originalmente colocado. Em outras palavras, é o princípio da história humana. [7]

Aplicação Educacional Sobre a Importância da Revelação Especial de Deus


Pressupostos e Princípios: 


- A Bíblia como Fundamento para a Educação. O princípio bíblico-reformado do Sola Scriptura embasa também a educação cristã. Ela aceita o testemunho dos primeiros capítulos da Bíblia de que existe um Deus criador que resolveu voluntariamente se revelar aos homens através das coisas que criou (revelação natural) e de sua palavra escrita (revelação sobrenatural). Depois da queda do homem no pecado e por causa da sua cegueira, o ponto de partida agora precisa ser a revelação escrita, mas estas duas revelações pressupõem e suplementam uma à outra, sendo, agora, ambas necessárias, autoritativas, suficientes e claras (racionais ou inteligíveis).[8]

A Bíblia é para a educação cristã um instrumento precioso e indispensável para a compreensão do mundo, de nós mesmos e do próprio Deus. Assim como a revelação que Deus deu de Si mesmo no Éden, seja nas coisas criadas ou na palavra do mandamento, era a base ou o fundamento de toda a vida e educação de Adão e Eva, a Palavra de Deus é o princípio e a base de toda educação cristã, a nossa única regra de fé e de prática,[9] na qual encontramos “tudo o que o homem deve crer sobre Deus e o dever que Deus requer do homem”.[10] De Jong afirma que a Escritura é “a base para toda crença, para todo conhecimento e portanto a base para todos os pensamentos referentes à educação. É da Bíblia, a palavra de Deus para o homem, que o Cristão irá aprender”. [11] Gangel deixa claro que esse princípio é uma marca essencial e distintiva da educação cristã:

Qualquer fundamentação para uma cosmovisão cristã deve começar com as Escrituras.  É da Palavra de Deus que recebemos revelação especial com relação à natureza de Deus, à humanidade, à realidade definitiva, à bondade e às expectativas da vida. Todas as pessoas têm acesso à revelação geral (pelo estudo da criação divina) e ao conhecimento acumulado no mundo, no entanto, somente os cristãos aceitam a Bíblia como a nossa suprema fonte de respostas sobre a vida. Embora todos os sistemas filosóficos requeiram certa medida de fé, a crença nas Escrituras nos fornece o sistema mais intrinsecamente coerente sobre o qual podemos construir uma vida moral e com propósitos. Os cristãos acreditam que Deus, por intermédio de sua palavra, nos deu “todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude (2 Pedro 1:3). [12]  

- A Bíblia como Autoridade na Educação. A educação cristã tem na Bíblia não somente a sua base ou fundamento, mas também a sua norma ou padrão. Por ser uma revelação especial do Autor da educação cristã, a Bíblia é a autoridade suprema para ordenar, definir e regular a educação em seus princípios e propósitos, em sua razão de ser, em sua concepção de ensino e de aprendizado,  e em seus métodos, conteúdos e administração. A Palavra revelada de Deus é a autoridade final e juiz supremo de todas as questões educacionais, e com ela não competem a tradição ou a razão humanas. Todas as idéias pedagógicas, antigas e novas, devem ser julgadas por ela. Como colocou Van Til: “O que quer que esteja de acordo com a Revelação de Deus é educativo. O que não estiver, é dês-educativo”.[13] Engelsma concorda dizendo que aceitar a autoridade da Bíblia significa que “não ensinamos nada que esteja em conflito com as Escrituras; apenas ensinamos aquilo que está em harmonia com ela.”[14]

- A Bíblia como Luz da Educação. “Lâmpada para os meus pés é a tua palavra e, luz para os meus caminhos”, diz o Salmo 119:105. A primeira implicação desse princípio é negativa e revela que, sem a Bíblia, a educação está no escuro: ela não sabe de onde vem, onde está, ou para onde vai; ela não sabe o que está fazendo, não tem padrão para julgar o que é bom e o que é mau, e não tem rumo ou direção. Ela nem sabe em que tropeça. Isso é uma realidade na educação secular, e pode descrever também as escolas cristãs se elas não fizerem uso dessa lâmpada para iluminar o seu caminho.  Mas não precisamos andar no escuro. O princípio da luz, positivamente, dá segurança e rumo à nossa prática educacional e porque temos a Bíblia, em cuja luz, vemos a luz (Salmo 36:9), nós podemos ver e reconhecer a verdade. A nossa teoria pedagógica, por exemplo, não precisa deduzir ou especular sobre a natureza do homem ou do conhecimento, como afirma Solano Portela:

 A Pedagogia redentiva constrói seus postulados em cima de premissas que são extraídas da Verdade Revelada do Criador. Ela não precisa deduzir o que é a natureza humana, mas tem o ponto de vantagem de ir até a revelação proposicional da Bíblia, e extrair objetivamente uma descrição do que é a pessoa humana, no íntimo do seu ser. Ela pode realizar mil experiências para reafirmar e fazer a ‘sintonia fina’ de sua metodologia, mas não necessita ficar perdida num pântano de subjetivismo e de idéias gratuitas sobre o que move, direciona e motiva as pessoas. Ela não precisa especular sobre o conhecimento, a sua natureza, o que faz as pessoas aprenderem. Ela tem pérolas proposicionais que foram escritas pelo próprio autor do conhecimento; por aquele que é o doador da capacidade de entendimento e da compreensão humana.[15]

- A Bíblia como Objeto da Educação. A Bíblia é o fundamento, a norma e a luz do ensino cristão, mas ela deveria ser também o conteúdo da instrução cristã? O ensino bíblico de várias passagens-chaves no antigo e no novo testamento (Dt. 6:6-9; Salmo 78:1-8; II Timóteo 3:14-17) nos dão um ressonante sim! Essas passagens afirmam explicitamente que o conhecimento da Palavra de Deus - a lei, os registros históricos das obras de Deus, os louvores, as admoestações e o ensino doutrinário - constituem em si um fim e alvo da educação e isto implica em que as Escrituras precisam ser o conteúdo principal da educação cristã. As palavras que devem ser inculcadas na mente e no coração das crianças não eram a sabedoria dos povos pagãos, mas a lei de Deus. Os grandes feitos que deveriam ser contados de geração em geração não eram as construções dos egípcios, mas os atos redentivos de Deus registrados na Bíblia. O ensino da Bíblia é o cerne e a essência da educação cristã.

Essa afirmação frequentemente levanta a questão de como a Bíblia deve ser ensinada. Como devocional? Como uma disciplina? Como catecismo? De todas essas maneiras? Ou de outra maneira? De que maneira ela pode ocupar esse lugar central na educação cristã? Engelsma sugere que a posição reformada é diferente da posição evangélica por não confinar o ensino da Bíblia ao culto devocional (que, embora não precise ser excluído da escola cristã, é tarefa primordial dos pais), nem a uma disciplina bíblica ou doutrinária (que é tarefa primordial da igreja juntamente com os pais), mas afirma a necessidade da Bíblia informar toda a instrução das diversas matérias, até ao mais alto grau. Aqui a educação cobre uma área própria, que a família e a igreja não têm normalmente condições de exaurir. Ele explica: ‘A Escritura informa toda a instrução dada na escola cristã. Por “informa” eu quero dizer “dá a essência de, é a qualidade característica da”. Ela é a luz de Deus na qual nós vemos a luz.”’[16]. O autor prossegue:

 A Escritura deve ser ensinada assim: como o fundamento, a luz, e o centro de cada assunto. A Escritura deve ser trabalhada em cada assunto, naturalmente e como um fato óbvio, como o chão sobre o qual cada aspecto da realidade está solidamente firmado. Ela deve ser a luz que ilumina não somente o aspecto particular da criação de maneira a lhe dar significado, mas também ilumina o próprio aluno, sobre o que deve fazer em relação ao conhecimento e uso daquele aspecto da criação. E ela deve ser ensinada como a coluna, ou o centro de cada assunto. Assim, ela unifica todos as disciplinas. [17]

Como a luz de Deus, a Escritura é o fundamento de todo assunto, controlando-o, dirigindo-o, e explicando-o, e assim tornando o que é meramente verdadeiro uma verdade de Deus. Como podemos ensinar história se ela não for firmada e iluminada pela Palavra que ensina um Deus soberano, a centralidade de Cristo, a grande guerra entre o reino de Deus e o reino deste mundo, a depravação total do homem, e os julgamentos de Deus sobre o pecado? Como podemos ensinar ciência a parte da Palavra sobre a criação, sobre a queda e a maldição sobre o homem e sobre a sua terra, sobre o dilúvio, e sobre a sabedoria e poder do Criador?[18]

A Bíblia deve, portanto, informar o ensino de cada assunto dentro da matemática, da história, da física e da educação física. Ela deve fazer isso da pré-escola ao mais avançado grau imaginável. Ela fornece a essência do que a criança ou o adulto precisa aprender na geometria, na queda do império romano, na lei da gravidade e nas regras do futebol. E como a Bíblia ilumina, fundamenta, esclarece, controla e explica as verdades geométricas, ou históricas, ou físicas, etc.? A chave é dada por Engelsma: “tornando o que é meramente verdadeiro uma verdade de Deus”, ou seja, relacionando o assunto particular ao plano de Deus e mostrando como cada verdade provém de Deus e deve voltar para Deus. Segundo a Bíblia, qual é a essência da geometria? Ela não está na perfeição, na ordem, na exatidão do plano e da vontade de Deus? O que as medidas da arca, do templo, da cidade santa em Apocalipse revelam sobre a essência da geometria? Na História, somente quando a queda do Império Romano é associada à desobediência a Deus por parte daquele povo, e à Soberania de Deus em levantar e derrubar impérios (Dn. 2:20) é que esse “mero acontecimento” é tornado um “acontecimento de Deus”. Procuraremos dar a seguir algumas sugestões práticas de como isso pode ser feito.

Vale lembrar ainda um aspecto enfatizado por Engelsma, que “o ensino da Escritura dessa maneira não deve ser concebido à parte do conteúdo da Escritura”[19] (sobre Deus, sobre a criação, sobre a queda e a antítese entre a cidade de Deus e a cidade dos homens, sobre Cristo e a igreja, sobre o julgamento final, etc.) e isso requer um conhecimento sistemático ou doutrinário das verdades bíblicas. Este autor chega a sugerir que os professores cristãos devem ser versados nos símbolos de fé reformados, devem confessá-los de coração e devem fazer uso constante e ativo desses credos que entendemos ser a interpretação verdadeira e permanente do ensino e dos princípios bíblicos para toda a vida. Um uso apropriado das confissões de fé e catecismos cristãos como expressão do ensino bíblico é capaz de, segundo este autor, enriquecer, libertar, direcionar e garantir a certeza e o sucesso do trabalho educativo.

Direcionamentos Práticos:


- Para saber se o seu ensino, a sua teoria pedagógica, as suas práticas de administração, supervisão ou coordenação escolar são de fato cristãs, faça a si mesmo a seguinte pergunta: Qual a base ou a explicação bíblica que eu posso dar para isso que estou fazendo? A Bíblia é necessária e indispensável à minha explicação? Quem tem a palavra final nesse assunto? A Bíblia ou alguma teoria ou tradição pedagógica? A minha explicação pressupõe que a Bíblia é suficiente e inteligível para fundamentar essa teoria ou prática educacional, ou eu tenho a tendência de pensar que somente o teórico tal ou o livro tal têm respostas nessa área? 

- Busque conhecer cada vez mais a Bíblia, estude teologia, estude as confissões de fé reformadas, faça uso de cada pregação que você ouve e de cada livro ou passagem devocional que você lê e busque aplicar cada verdade bíblica à educação a partir da seguinte indagação: que luz esse ensino bíblico lança sobre a minha especialidade de ensino? Como esta verdade bíblica informa, regula, controla, dirige ou fornece princípios essenciais para a minha matéria? Vá relacionando essas considerações em um mural ou caderno acessível, e releia esses princípios durante o preparo de suas aulas. E caso você seja tentado a pensar que um determinado relato ou doutrina bíblica não tem nada de novo a acrescentar à sua área, peça a Deus por sabedoria e luz para a sua visão, lembrando de II Timóteo 3:16,17: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra."

- Em face do currículo que você foi encarregado de ensinar, faça da Bíblia o padrão para distinguir o que é educativo e o que é deseducativo. O que estiver de acordo com a Bíblia é educativo e deve ser ensinado positivamente, com vistas a que os alunos compreendam e aceitem pela fé, e se comprometam de coração a pôr em prática essas verdades em suas vidas. O que contrariar o ensino bíblico é deseducativo, e não deve ser ensinado a não ser como exemplo negativo, como instrumento de crítica e de discernimento da antítese entre o reino de Deus e o reino deste mundo. Isso implica dizer que nós não “ensinamos” (no sentido mais profundo do termo) a evolução, o marxismo, e o liberalismo, por exemplo, ao aluno. Nós estudamos e analisamos essas e outras idéias à luz do ensino das Escrituras, mostrando a falsidade, os perigos e os resultados terríveis dessas e de tantas outras idéias que contrariam o ensino bíblico.

- Use a Bíblia e a interpretação dos Símbolos de Fé reformados em cada aula. Faça uma pesquisa dos textos bíblicos principais que são capazes de informar, lançar luz ou orientar o assunto que você está prestes a ensinar, direta ou indiretamente. Identifique os princípios ou as verdades essenciais que a Bíblia revela sobre este assunto e enfatize estes aspectos como a lição mais importante a ser aprendida, como o significado verdadeiro e mais importante desse fato. Prossiga com as demais informações que você tiver para acrescentar, mas retome no final, de maneira aplicativa, os princípios bíblicos examinados. Se nós cremos na suficiência da Bíblia, precisamos afirmar que é possível fazer isso em toda matéria e em cada assunto específico.

- Jan Waterink sugere ainda, no que diz respeito ao uso da Bíblia em sala de aula, que o professor tenha a Bíblia aberta diante de si, leia os textos apropriados com os alunos, e, na medida que isso for possível, exija dos alunos que eles mesmos leiam, pesquisem e façam uso da Bíblia, a fim de cumprirmos nossa função como educadores cristãos de “levar a Bíblia à criança e a criança, à Bíblia”.[20] E quanto ao ensino das doutrinas bíblicas, a sugestão é que elas sejam ensinadas não apenas na aula de educação religiosa (se houver), mas também em seu relacionamento com todos os assuntos estudados nas diversas disciplinas, e de acordo com a capacidade e idade do aluno. Talvez a doutrina da queda possa ser especialmente elucidativa em uma aula complicada e cansativa de gramática para explicar a dificuldade e o suor envolvidos no aprendizado de línguas depois da queda e de Babel. Ou quem sabe uma pergunta do catecismo infantil, como a seguinte: “Pergunta: Deus se desagrada daqueles que se recusam a amá-lo e a obedecê-lo? Resposta: Sim. Deus está irado com o pecador todo dia”, pode ser usada para sugerir a realidade das trombetas e juízos de Deus nos terremotos, guerras e catástrofes históricas e geográficas.

- Exemplo de como as Escrituras podem ser usadas na sala de aula. Inúmeros exemplos poderiam ser dados em todas as matérias sobre o uso das Escrituras e de seu ensino na sala de aula. A Bíblia tem muito a dizer sobre números, sobre história, sobre geografia, sobre ciências, sobre estudos sociais, sobre física, sobre o corpo humano, sobre nutrição, sobre a linguagem, sobre tecnologia, etc. Mas não há espaço para mais do que um único exemplo com vistas a esclarecer esta sugestão: Digamos que você esteja ensinando os animais selvagens à terceira série, e hoje a aula seja sobre o leão. Ao invés de começar com o filme do Rei Leão, ou com seu habitat na África, ou com sua posição na cadeia alimentar, comece com as verdades reveladas na Bíblia sobre o Leão. Faça uma pesquisa sobre o que ela revela sobre esse animal, e você se surpreenderá com a quantidade de informações diretas e indiretas que você encontrará sobre esse único ser. Pouco ou muito, creia que a informação bíblica será clara e suficiente para compreendermos o sentido mais profundo e verdadeiro desse animal, que em sua essência está relacionado com Deus.

Você o encontrará, por exemplo, em Gênesis 1 entre os animais selváticos criados por Deus e declarados como bons. Você constatará a sua posição entre os demais grupos de animais e a provisão de Deus em preparar-lhe um ambiente e alimentação especial (Gn 1:30), e você se deparará com a constatação surpreendente de que, em seu estado original, o leão não era carnívoro nem predador. Sua criação por Deus e sua posição entre os demais animais também revela o poder, a beleza, a majestade, a força e a sabedoria de Deus. A segunda e terceira perguntas do catecismo infantil[21] também podem ser usadas para mostrar que o Leão foi criado por Deus para a Sua glória. O fato de ter sido salvo na arca revela o valor que Deus dá à preservação dos seres criados, do leão à formiga. O fato da queda afetou tanto a sua constituição física como o relacionamento entre o leão e demais seres criados, especialmente com relação ao homem. Seu caráter agora ofensivo e implacável é um alerta à estratégia de Satanás (1 Pe. 5:8), e ao julgamento divino (Os. 5:14;13:8; II Reis 17:25). O Salmo 104:21 fala do seu modo de vida como sendo guiado por Deus e dependente de Deus. Sua natureza ousada e destemida faz dele um exemplo para o crente (Pv 28:1). No mundo vindouro, ele é restaurado à sua condição original, sendo visto pastando com o cordeiro em Isaías 11:6 e 65:25 na criação redimida por Cristo.

Mais do que criado por Deus, afetado pela queda e redimido por Cristo, o Leão tem seu significado maior como tipo de Cristo, do poder e da majestade daquele que é o Leão da tribo de Judá. (Ap. 5:5) E a Bíblia também aplica essas verdades à vida do aluno de maneira apropriada, ensinando-o a depender de Deus, a preservar os animais, a temer a fúria do Leão, a conhecer e temer a Cristo e a ansiar pelo estado de glória quando poderá ter um leão como animal de estimação. Finalmente, você pode ainda ensinar e buscar incentivar a resposta apropriada dos alunos diante da revelação bíblica, que consiste na aceitação dessas verdades pela fé, e na gratidão, humildade, espanto e privilégio que eles têm de conhecerem essas verdades reveladas que pertencem a eles e a seus filhos, e que os descrentes desconhecem ou negam. Mostre a importância e a veracidade de tudo o que nos tem sido revelado por Deus, e quando o filme do Rei Leão sugerir algo diferente, aproveite para ensinar que a Bíblia é a Palavra de Deus e tem a palavra final em todos os assuntos. E por falar em filme, Nárnia seria uma opção muito mais apropriada para retratar o Leão numa escola cristã!

Próximo Post nesta seção: Deus como o Autor da História da Educação




[1] Machen, J. Gresham. The Christian View of Man (A Visão Cristã do Homem) (Carlisle: The Banner of Truth Trust, 2002), p. 15.
[2] De Jong, Norman. Education in the Truth (Educação na Verdade) (Nutley: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1977), p. 69.
[3] Lloyd-Jones. The Gospel in Genesis, p. 26.
[4] Ibid.
[5] Ibid., p. 10.
[6] De Jong, Education in the Truth, p. 72-73.
[7] Lloyd-Jones, The Gospel in Genesis, p. 26.
[8] Cf. Van Til, Cornelius. Christian Apologetics (Apologética Cristã) (Phillipsburg: Presbyterian and Reformed Publishing Co.,1976). pp. 30-37. Van Til nota e explica como as doutrinas da necessidade, da autoridade, da suficiência e da clareza da revelação de Deus se aplicam tanto à sua revelação escrita como à sua revelação natural. (todas as traduções dessa obra são feitas pela autora).
[9] O Catecismo Maior de Westminster. In: A Confissão de Fé, O Catecismo Maior, O Breve Catecismo (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1991, p.165-385), p. 166.
[10] Ibid., p. 168.
[11] De Jong, p. 69.
[12] Gangel, Kenneth O. Fundamentos Bíblicos da Educação. In: PORTELA, S. et al. Fundamentos bíblicos e filosóficos da educação. (São Paulo – SP: ACSI/Purposeful Design Publications, 2004), p. 97
[13] Van Til, Essays, p. 81.
[14] Engelsma, Reformed Education, p. 24.
[15] Fides, p. 148. Citar por completo.
[16] Engelsma, Reformed Education, p. 24.
[17] Engelsma, p. 34.
[18] Engelsma, Ref. Ed.p. 24-25.
[19] Engelsma, p. 34.
[20] Waterink, Jan. Basic Concepts in Christian Pedagogy. (Conceitos Básicos na Pedagogia Cristã) Eerdmans: Grand Rapids, 1954, p. 132.
[21] Pergunta 2: O que mais Deus fez? Resposta: Deus fez todas as coisas. Pergunta 3: Para que Deus fez você e todas as coisas? Resposta: Para a sua própria glória.

terça-feira, 9 de julho de 2013

A BÍBLIA COMO OBRA IMAGINATIVA – CLYDE S. KILBY

O trecho a seguir foi retirado e traduzido da obra: "The Christian Imagination" (RYKEN et al, 2002, p. 105), e chama atenção ao fato de que a Bíblia, ao mesmo tempo em que é um livro divinamente inspirado e a única regra de fé e prática do crente, é também uma obra literária de imenso valor, de modo que não há como ignorar o seu caráter poético e literário em tantas das suas passagens. Isso deveria ser um incentivo para a produção literária e artística, visto que aprouve a Deus - o maior e mais excelente dos Artistas - conceder um pouco destas habilidades ao homem, o qual pode e deve utilizá-las para a glória do seu Criador.    

"Eu quero basear o que eu tenho para dizer em três fatos que penso serem indiscutíveis:
O primeiro é que a Bíblia pertence à literatura; isto é, ela é uma obra de arte. Que diferença faz se o Livro que nós vemos como Santo vem a nós em forma literária, ao invés de vir na forma de doutrinas abstratas ou de teologia sistemática? Será que a poesia na Bíblia é um fato meramente coberto por uma decoração artística? Se nós sumarizarmos o Salmo vinte e três como declarando que Deus cuida dos seus filhos como um bom pastor cuida das suas ovelhas, será que a poesia e este sumário em prosa equivalem à mesma coisa? Se assim é, porque a poesia em primeiro lugar? Que mudança ocorre quando uma obra de poesia é transformada em obra doutrinária ou de exortação prática?
Como a divina inspiração da Bíblia se relaciona com o estranho fato de que o maior dos Salmos foi escrito na forma de um acróstico? Será que a forma de acróstico veio de Deus ou apenas do poeta?... Será que Deus inspirou a forma ou apenas o conteúdo da Bíblia? Será que a sua forma é meramente um incidente humano? Deveriam os professores Cristãos encorajar seus alunos a lerem a Bíblia como literatura?
Porque a figura da comparação ao dizer-se que um homem piedoso é como uma árvore plantada à beira dos mananciais, e a hipérbole ao dizer-se que as marés e as árvores do campo batem palmas e cantam? Deveriam tais expressões ser consideradas como meros adornos, ornamentos, como penas – e, muitas vezes, belíssimas penas – que devem ser removidas do peru antes que o seu significado calórico e real possa vir à existência?
Porque a Bíblia não é direta, expositiva e concreta? Porque estes numerosos e difíceis paradoxos se atiram diante do leitor...? Porque o frequente jogo de palavras, até mesmo na própria linguagem do nosso Senhor? Tudo isto sugere o caráter literário da Bíblia.
O segundo fato indisputável é que, desde que um – e talvez o maior – dos ingredientes da literatura é a imaginação, nós precisamos dizer que a Bíblia é um livro imaginativo. Não há literatura sem imaginação – forte, honesta, e muitas vezes ousada imaginação.
O terceiro fato indisputável é que o maior de todos os artistas, o maior Imaginador de todos, é Aquele que aparece na abertura do livro de Gênesis. Estética tem a ver com forma, design, harmonia, beleza. Talvez a palavra-chave seja “forma”. Agora a Terra, diz Gênesis, estava sem forma. Deus moldou e deu forma à criação – a luz e as trevas, os céus, as abundantes águas, a variada fauna e flora... E nos é dito que Ele olhou para cada coisa que Ele havia moldado e viu que era bom. E quanto ao todo, Ele viu que era “muito bom”. Mesmo após a queda do homem, a Bíblia ainda trata a natureza como bela, visto que tem a Deus como o seu criador e mantenedor... Deus não julgou, como muitos de nós, que a estética seja meramente uma futilidade para tempos ociosos. "  

--- "Christian Imagination"
      Christian Herald, 1969.