II. A Educação Clássica e a Educação Cristã
Temos
examinado o surgimento, a adoção, o declínio e o ressurgimento atual da
educação clássica a fim de dar ao leitor uma visão histórica da educação
clássica, de introduzi-lo aos seus principais distintivos, e de buscar explicar
o sucesso atual desse modelo. Passemos, agora, a uma breve avaliação da
Educação Clássica sob os critérios cristãos. Buscaremos responder as seguintes
perguntas: 1) A educação clássica é "a educação" ideal? 2) A educação
clássica é cristã? 3) A educação cristã pode ser clássica? E finalmente, a questão
mais crucial: 4) A educação cristã precisa ser clássica?
Este post tratará das duas primeiras perguntas, que apontam, negativamente, para os problemas e perigos que a educação clássica pode representar para aqueles educadores e alunos cristãos que adotam a educação clássica sem discernir suas bases e ênfases anticristãs. O próximo post tratará das possibilidades, da necessidade ou não e dos termos em que o modelo clássico poderia ser usado nas escolas e lares cristãos.
A Educação Clássica é Ideal?
Os gregos de
fato buscaram conhecimento e desenvolveram ferramentas capazes de moldar,
estimular, afiar e desenvolver o intelecto humano. Mas antes que os elevemos
além do crédito que lhes é devido, e antes que adotemos indiscriminadamente
seus métodos e práticas educacionais, precisamos lembrar que seu sistema
educacional ficava aquém dos ideais cristãos em pelo menos três áreas
principais:
1- Eles não
tinham uma base sólida, uma fundação
para sustentar o seu conhecimento, pois não possuíam aquele "temor do
Senhor" que é o princípio do saber. Eles não possuíam um arcabouço
apropriado para encaixar os conhecimentos que adquiram, nem um padrão para
julgar o que é bom ou mal, e o que é verdadeiro ou falso. Desconhecendo as
Escrituras Sagradas, faltava-lhes luz para o seu caminho; eles tropeçavam sem
nem saber em quê. Faltava-lhes o esquema bíblico da Criação-Queda-Redenção que
lhes fornecesse uma cosmovisão apropriada, onde eles poderiam encaixar e
compreender a razão de ser e os propósitos dos fatos, o sentido da sua
existência, e a interligação de toda a verdade, que só encontra unidade em
Cristo e no seu propósito para o mundo. Por não crerem, por exemplo, na criação
do homem à imagem de Deus, eles, apesar de verem a importância da razão e da
educação das crianças, não hesitavam em abandonar a céu aberto os
recém-nascidos que pareciam fracos ou doentes. Por não entenderem que o ser
humano é caído, eles achavam que o homem era essencialmente bom, e que as
virtudes que pregavam poderiam ser alcançadas se apenas a juventude as
conhecesse e praticasse. Por não verem a necessidade de Redenção, eles não
entendiam a necessidade de um novo nascimento, de um Salvador divino-humano, e
sabemos que pereceram espiritualmente, longe da Verdade que poderia lhes
libertar.
2- Eles
confiaram num instrumento falido. Eles
elevaram indevidamente a razão humana a uma posição altíssima, de salvadora e
de redentora pessoal e social, por não possuírem a revelação sobre a queda do
homem e sobre os efeitos distorcivos do pecado também sobre essa instância do
ser humano; nós sabemos que a razão e a lógica humana também se tornaram
depravadas com a queda, tendentes à falsidade, à mentira, à inversão da virtude
pela injustiça, sendo tendentes ao ato mais ilógico e irracional, que é a
adoração da criatura ao invés do Criador.
3- Eles não
alcançaram o alvo do aprendizado. Eles
jamais obtiveram a verdadeira sabedoria, que começa com o temor do Senhor, e
que Deus dá a todos que, em humildade, pedem por ela; tampouco conheceram a sua
fonte, o Senhor Jesus Cristo, em quem todos os tesouros da sabedoria e do
conhecimento estão ocultos. Eles consideraram "loucura" a sabedoria
de Deus, ignorando que a "loucura"de Deus é mais sábia do que os
homens. Assim, eles ficaram muito aquém do alvo de todo conhecimento, que é o
conhecimento de Deus e do seu Filho Jesus Cristo; eles não ofereceram o seu
conhecimento a Deus como culto racional pela renovação da sua mente, e não
deram a Deus a glória devida ao seu nome; não atingiram o propósito do
conhecimento.
Assim, sem uma
base apropriada, sem um padrão confiável, e sem um alvo digno para a sua
construção filosófica, o edifício filosófico-pedagógico dos gregos, por mais
duradouros que tenham sido seus efeitos na história ocidental, não resistiu,
com respeito às suas bases e alvos, ao teste da filosofia e da pedagogia cristã,
como o apóstolo Paulo buscou demonstrar no seu discurso em Atenas, e como ficou
evidente na proliferação e no impacto social e religioso das igrejas cristãs
nas cidades gregas de Éfeso, Corinto e Tessalônica, por exemplo. Os tratados
clássicos não são cânons autoritativos. A Palavra de Deus, sim. O pensamento
clássico nunca salvou a humanidade. Nosso Senhor Jesus Cristo, sim. Os melhores
insights dos seus filósofos talvez tenham dado à Sócrates uma causa forte o
suficiente para viver e até morrer, mas não lhe deram o caminho nem a esperança
para a vida após a morte. Somente a verdade de Deus nos guia nessa vida com
poder e nos conduz à cidade celeste. Assim, o que podemos aproveitar dos
escombros da construção filosófica grega foram apenas algumas idéias que se
aproximam da verdade, algumas ferramentas úteis e alguns materiais que podem
ser usado em outras construções intelectuais. Uma idéia correta seria a
valorização da razão humana (desde que vista da maneira correta). Algumas de
suas ferramentas seriam os métodos de ensino da gramática, da dialética e da
retórica. Os materiais que aproveitamos são os tijolos das artes liberais.
Assim, longe
de ser "a educação ideal" para os cristãos, é possível, que,
entendidas as ressalvas acima, a educação nos moldes clássicos ainda seja uma das opções
mais sólidas dentre os demais modelos vigentes, e que teria a possibilidade de ser
aproveitada em algumas de suas ênfases, práticas e matérias pela educação
cristã, desde que saibamos julgar todas as coisas, reter o que é bom, e nos abster
de toda forma de mal
A Educação Clássica é Cristã?
A educação
clássica é cristã? O histórico que apresentamos sobre a sua origem e
desenvolvimento deixa claro que a origem, os métodos, as ênfases e os
seguidores da educação clássica não são primariamente cristãs, mas pagãos e
seculares, embora muitos cristãos façam uso de certos métodos ou ênfases
clássicas que parecem concordar com a Bíblia. Mas, estritamente falando, ela é
uma invenção dos antigos gregos, que eram pagãos, idólatras e orgulhosos, e a
educação estritamente clássica carrega consigo a visão de mundo de seus
criadores, que por sua vez é repassada aos seus professores e alunos, e que
representa um real perigo para educadores cristãos que inadvertidamente
valorizem seus métodos e materiais acima dos princípios cristãos. Dentre estes
perigos principais, ressaltamos:
1- O Perigo do
Paganismo. Nem sempre as obras consideradas mais excelentes, escritas pelos
autores clássicos, refletem os valores e a visão de mundo cristã. Muitas das
leituras indicadas pelos currículos clássicos como indispensáveis para
determinadas séries, as quais embasarão todo o currículo, são inapropriadas
para certas faixas-etárias e para cristãos de determinada persuasão. Por
exemplo, há pais cristãos que não querem expor suas crianças pequenas às
histórias e tramas de guerras, assassinatos e traições comumente apresentadas
nas obras clássicas; outros pais consideram a linguagem e as mensagens desses
textos inapropriadas para seus filhos; ainda outros ressentem, com razão, a
ênfase no estudo dos deuses da mitologia clássica e dos contos e fábulas pagãos
no lugar da ênfase na história bíblica, dos grandes feitos de Deus, e da sabedoria
cristã.
2- O Perigo da
Idolatria. Referimo-nos aqui nem tanto ao risco das crianças virem a adorar
os deuses da mitologia pagã, mas àquela idolatria sutil de se valorizar ideais
diferentes dos cristãos; de se curvar antes aos ensinos dos filósofos do que
aos dos profetas e apóstolos, de adorar a razão ao invés da sabedoria bíblica,
e de se buscar a virtude do mundo sem a base da piedade e do temor do Senhor. A
Educação Clássica focaliza e idolatra a razão como redentora da humanidade, e é
possível que o refinamento da razão e o desenvolvimento da mente venha a se
tornar um ídolo real para os nossos filhos.
A educação
cristã, por sua vez, considera Deus e a sua Palavra como centrais, e ela segue
o ensino bíblico de que o homem não é primariamente um ser intelectual, mas um
ser espiritual, regido pelo seu coração. Além disso, considera que a queda
afetou todas as instâncias do ser humano, inclusive a sua mente. Por isso, a
educação cristã não é focalizada na razão, mas na alma, composta, por assim
dizer, do coração, da mente e da consciência. A mente, por sua vez, que também
tem um aspecto espiritual, é guiada pela fonte espiritual do coração, e jamais
deve ser elevada acima deste, mas deve ser vista como boa ou má, como íntegra
ou distorcida conforme for a situação espiritual do coração e da consciência.
Por isso os cristão devem ter cuidado para não confundirem a educação da mente
com a totalidade da educação cristã, que por ser espiritual, deve alcançar e
formar todas as instâncias da vida humana, em todos os seus aspectos,
espirituais, intelectuais, morais, emocionais, físicos, estéticos, sociais,
relacionais, etc. Além disso, os educadores cristãos devem compreender que o
parâmetro bíblico para a razão é a verdade, e a razão em si pode estar
corrompida pelo desconhecimento da verdade, pelo ódio à verdade, e pelo
compromisso com mentira. Desenvolver a mente da criança sem submetê-la ao temor
de Deus, ao crivo da verdade bíblica, e à busca humilde pela sabedoria que é
dom de Deus, pode formar inteligentes, argumentativos e sagazes inimigos de
Cristo, ao invés de crentes piedosos e compromissados com o Reino de Deus e com
a Sua verdade.
3- O Perigo do Orgulho Intelectual. Vimos que a
educação clássica foi inigualável quanto ao desenvolvimento estritamente intelectual.
Contudo, este mesmo fato tem representado um problema para os professores e
alunos cristãos que adotam os métodos clássicos e sabem que eles estão acima da
maioria no critério intelectual por conhecerem, por exemplo, as leis da lógica,
por terem grande habilidade de persuasão nos debates, e por acabarem se
destacando no meio acadêmico. Esses correm o risco de serem expostos àquele que
é um dos maiores pecados, capaz de levar à sua destruição espiritual: o orgulho
e auto-exaltação. O educador cristão Kevin Swanson comentou numa palestra sobre
a educação clássica que ele nunca conheceu jovens tão pernósticos, indiscretos,
cheios de si, argumentadores e desprezadores de outros do que os grupos de
jovens (muitos deles de formação cristã) que ele encontra nos corredores dos
eventos de competições estaduais e nacionais de debates entre os alunos de escolas
clássicas. Que desserviço eles prestam para a igreja e para o mundo por usarem
os conhecimentos e habilidades que adquiriram para glorificarem a si mesmos ao
invés de usá-las para a glória de Deus e para a defesa humilde e amorosa do
Evangelho!
Parabéns pelo texto, muito elucidativo.
ResponderExcluirDeus abençoe a todos.