“Como Maçãs de Ouro em salvas de prata, assim é a palavra dita a seu tempo.” (Pv. 25.11)

“Feliz o homem que acha a sabedoria e o homem que adquire o conhecimento;
... é Árvore de Vida para os que a alcançam, e felizes são todos os que a retêm." (Pv. 3:13,18)

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

A POÉTICA CRISTÃ, PASSADO E PRESENTE – Donald T. Williams (Parte I)


A IMAGINAÇÃO CRISTÃ – Leland Ryken e outros.

Como foi indicado na postagem anterior (leia aqui), procurarei resumir aqui alguns dos pontos principais e apresentar citações extraídas da obra A Imaginação Cristã, a qual é uma pérola da epistemologia da arte e da literatura pela visão cristã.

PARTE I

UMA FILOSOFIA CRISTÃ DA LITERATURA
A “estética” é a filosofia da arte. A “poética” é a filosofia da literatura, especificamente. Essa unidade deste livro cobrirá as duas. Relacionados abaixo estão os temas principais que serão abordados nesta sessão:
- Qual é o assunto da arte e da literatura?
- Qual é a relação entre arte e vida?
- Qual o propósito, a função e os efeitos da arte e da literatura?
-  Como a arte e a literatura podem ser defendidas?

Nesta unidade da obra, estão compreendidos os seguintes artigos: A Poética Cristã, Passado e Presente (Donald T. Williams); Pensando de modo Cristão sobre a Literatura (Leland Ryken); Perspectivas da Arte (Francis Schaeffer); Literatura como um Objeto Artístico (Annie Dillard); Nós Demandamos Janelas (C. S Lewis); A Arte Cristã (Jacques Maritain); Reflexões para um Entendimento da Literatura. Estes últimos quatro são pequenos textos denominados de “Pontos de Vista” na obra, alguns dos quais já foram traduzidos e postados neste blog.

A POÉTICA CRISTÃ, PASSADO E PRESENTE – Donald T. Williams

Segundo o autor, “a história da poética cristã – isto é, de cristãos pensando conscientemente como cristãos sobre a natureza e a importância da arte literária – é um conto de um movimento lutando, quase que apesar de si próprio, para conseguir chegar a captar a sua própria doutrina de que os seres humanos são criados conforme a imagem de Deus.” (Williams, p. 3) No ocidente, como a fé e a cultura cresceram e se desenvolveram juntas, este processo tem, às vezes, tornado-as quase que indistinguíveis. “O que Atenas tem a ver com Jerusalém?” Perguntou Tertuliano, e as respostas a esta questão, embora muitas, nunca têm sido simples ou fáceis.

Especificamente, percebe-se que os cristãos têm lutado para aplicar à literatura o princípio geral do Novo Testamento sobre o estar no mundo, mas não ser do mundo (João 17: 11-16). “Eles estavam sempre corretamente suspeitosos de uma cultura baseada na idolatria – e portanto, da literatura em geral. Mas eles não podiam escapar das fundações literárias da sua própria origem, ou do fato de que eles e toda a humanidade foram criados segundo a imagem daquele que expressou a sua mais profunda natureza, desde o início, como o Verbo”, sugere o autor. Esta tensão dá origem às aparentes contradições nas coletivas respostas dos cristãos ao longo dos séculos: a condenação da literatura por alguns como perigosa e, na melhor das hipóteses, uma perda de tempo, ao mesmo tempo em que outros se deram à produção dos maiores poemas que o mundo já viu. E neste processo, alguns poucos destes cristãos têm encontrado na doutrina da Imago Dei, a única explicação coerente para o fato de que a raça humana é, para o melhor ou para o pior, “uma tribo de criadores incorrigíveis” (P. 4).

AS ORÍGENS: AGOSTINHO

São Agostinho, o mais profundo e articulado dos porta-vozes antigos, é, em seus próprios escritos, um “microcosmos” das discussões contínuas e abrangentes desses autores. Por esta razão, nos é requerida uma atenção mais extensa a ele. O seu lado negativo é o mais conhecido. No Livro I das suas Confissões, Agostinho parece olhar para trás nos seus estudos de Virgílio com arrependimento pelo tempo perdido... “O seu labor neles havia sido, na realidade, nada mais do que um sacrifício oferecido aos anjos caídos”. Ele havia chorado por Dido, personagem mitológica que se suicidou por amor, ao mesmo tempo em que permanecia de olhos secos para a sua própria morte espiritual. Agora, após a sua conversão, ele pensa em seu prazer no seu sofrimento ficcional como loucura (dementia). Segundo ele, a experiência literária não leva à virtude porque a verdadeira misericórdia é prática. “A catarse emocional do teatro, portanto, não passa de um fingimento ou blefe, porque por ela ninguém é ‘provocado a ajudar o sofredor, mas apenas convidado a se sentir triste por ele’” (idem).

Estas mesmas e familiares queixas seriam repetidas ainda muitas vezes ao longo da história. “As ficções dos poetas são mentiras; elas são uma perda de tempo, nos distraindo de buscas mais produtivas; e elas são uma sedução ao mal.” No entanto, quando lemos estas passagens, nós não podemos acreditar que, mesmo sendo escritas por Agostinho, elas nos contam a história toda. “De onde, nós perguntamos, teria vindo o apropriado estilo das ‘Confissões’ se ele nunca tivesse estudado os clássicos do ponto de vista da análise retórica? E onde ele teria achado exemplo tão concreto para o seu ponto sobre as dores de Dido?” (Williams, p. 4)

A educação que Agostinho recebeu havia sido retórica e sofista; ele foi treinado, em outras palavras, para ser um advogado, um profissional cuja prática era fazer o pior parecer o melhor argumento e ensinar outros a fazerem o mesmo. “Ele havia sido ensinado a sondar os clássicos por exemplos de eloquência que pudessem ser usados cinicamente para ganhar casos na corte sem preocupação nenhuma para com a verdade. E nesta eloquência a sua ‘ambição era ser eminente, tudo por um terrível e vanglorioso fim cheio de prazer na glória humana’. Não é de se estranhar, portanto, que na sua reação pós- conversão, ele se sentiu compelido a jogar fora o bebê da literatura juntamente com a água de banho da sofística. No entanto, os próprios termos dessa rejeição testificam para o poder de palavras bem utilizadas.” (P. 5)

Mesmo sem ter consciência disso, Agostinho havia sido impactado pelos autores clássicos que ele havia lido, de modo que eles lançaram as bases morais que seriam utilizadas por Deus, mais tarde, para a sua conversão. “A Obra Hortensius, do pagão Cícero, teve uma grande influência que levou à sua conversão a Cristo. Ela ‘alterou, em grande medida as minhas afeições, direcionou às minhas orações a Ti, Ó Senhor, e fez com que eu me lavasse de outros propósitos e desejos.” (idem)

Assim, o mesmo Agostinho, ao tratar, depois, sobre educação cristã, também expõe o assunto da seguinte forma:

Nós [cristãos], não devemos abandonar a música, por causa das superstições dos pagãos, se há alguma coisa nela que possa ajudar-nos a entender as Escrituras Sagradas... Nem há razão alguma para que nos recusemos a estudar a literatura porque dizem que Mercúrio a descobriu. O fato de que os pagãos têm dedicado templos à Justiça e à Virtude, e preferem adorar na forma de coisas de pedra aquilo que deve ser carregado no coração não é uma razão para que abandonemos a justiça e a virtude. Pelo contrário, é preciso que todo bom e verdadeiro cristão entenda que a verdade pertence ao seu Mestre, não importa onde ela seja encontrada. (Howie, p. 350-351)

Mesmo nas suas confissões, Agostinho admite que aprender a ler é muito bom e que a eloquência deve também ser entendida como algo que não é inerentemente mal: “Eu não culpo as palavras que, em si próprias, são como jarras finas e preciosas, mas o vinho do erro que está contido nelas.” (Agostinho, p. 149)

Assim, os cristãos podem fazer uso do estudo de autores pagãos (assim como fazem uso das suas produções medicinais e das suas descobertas científicas e culturais, desde que sirvam ao bem da comunidade em geral), aprendendo a utilizar palavras bem escolhidas para o bem, e até mesmo transformando tais autores, desse modo, em servos da verdade.

Portanto, segundo Agostinho, “nós não devemos culpar a prática da eloquência, mas a perversidade daqueles que fazem mal uso dela.” (Howie, p. 360) Visto que ela é “empregada para apoiar tanto a verdade, quanto a falsidade, quem ousaria dizer que a verdade, como representada pelos seus defensores, deveria ir para o campo de batalha desarmada?” O resultado dos cristãos abandonarem o campo de batalha é que a falsidade é exposta de modo “breve, claro e plausível”, mas a verdade “de um modo tedioso... difícil de entender e, em suma, difícil de acreditar”. (idem, p. 369)

Segundo Williams (p. 7), Agostinho articulou uma defesa para a apropriação e produção literária por parte dos Cristãos que, embora seja produto de uma abordagem um tanto limitada e pragmática, não deixa de ser um bom começo para o entendimento cristão sobre a literatura, visto que lança sementes e esboça princípios que seriam, mais tarde, desenvolvidos e ampliados por outros críticos cristãos, como os seguintes: “o valor da literatura está na verdade que ela transmite, e no modo como ela pode nos ajudar a entender as Escrituras e a proclamar o evangelho.” E “a arte torna a verdade plausível e a sua ausência torna-a difícil de acreditar”. Não podemos pressionar Agostinho, de forma anacrônica, em uma direção que só seria traçada com mais clareza em outros momentos da história da crítica literária pela perspectiva cristã.
Na próxima postagem, serão abordados os períodos medieval e da renascença. Aguardem!
 
Trechos extraídos da obra: A Imaginação Cristã. Leland Ryken (editor). Shaw Brooks, 2002.

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