FASE 3 - O QUE ENSINAR?
ANALISANDO E SELECIONANDO CONTEÚDOS
Tendo tratado da
importância da elaboração de um currículo distintamente cristão, academicamente
sólido e adaptado à realidade de cada escola cristã, passamos a sugerir alguns
passos lógicos que devem fazer parte dessa reforma curricular que desejamos: o
primeiro passo foi definir, elencar e aplicar os princípios teológicos que
embasam nossa visão de mundo bíblica, sejam eles sobre Deus, sobre o homem,
sobre o conhecimento ou sobre o currículo. A segunda fase consistiu de pensar e
a organizar objetivos educacionais gerais e específicos que sejam condizentes
com os princípios bíblicos. E nesta fase 3 chegamos na parte que considero mais
decisiva, mais desafiadora e mais criativa: a seleção dos conteúdos.
Agora
é hora de pararmos para pensar. Essa fase deve ser lenta, pois ela exige tempo para que pais e educadores estudem
e considerem bem o que desejam e precisam fazer; para que orem pedindo a Deus a
Sua orientação e sabedoria; para que estudem e apliquem o que a Palavra de Deus
diz sobre os objetivos e conteúdos da educação; para que pesquisem materiais e
discutam o assunto entre si. Há de se levar tempo ainda para relacionar, em
termos de prioridade, quais são os conteúdos e as habilidades que Deus exige
que sejam desenvolvidos nos nossos filhos, os quais a escola deveria reforçar
ou complementar ao ensino do lar.
Mas
como definir quais são os conteúdos essenciais a um currículo cristão e de que
forma essa seleção reflete a nossa visão de mundo em face dos currículos
seculares? Quais são os eixos de conteúdos que definem a educação bíblica?
Sabemos que o leque e profundidade do conhecimento da realidade é infinito para
a mente humana, e que ele pode ser concentrado em inúmeras áreas e sub-áreas.
Com quais destas áreas devemos nos preocupar? Com conhecimentos transcendentes
ou científicos? Com as habilidades vocacionais ou com o desenvolvimento do
pensamento lógico? Veremos à frente que há várias tendências curriculares mesmo
entre os educadores cristãos, que enfatizam mais um ou outro aspecto entre o
racional, o empreendorista, o científico, o histórico, e outros. Não obstante
essas tendências, concordamos com o
educador Cornelius Jaarsma (The Christian
View of the School Curriculum. In: Fundamentals in Christian Education, p.
241) de que existem três eixos de conteúdos/habilidades principais com que a
educação cristã precisa se preocupar. Este autor resumiu o conteúdo do
currículo cristão como tendo estes elementos essenciais: a verdadeira piedade;
a genuína cultura; e o serviço na vocação. Aproveitaremos esses termos nos
comentários que temos a fazer a seguir.
Verdadeira Piedade: Instrução Espiritual e Moral nas Verdades da Palavra de Deus
A
tarefa principal aqui é traduzir os objetivos elencados em conteúdos,
atividades e habilidades que precisam ser ensinadas para que a criança atinja
tais objetivos. A verdadeira piedade é o eixo vertical do currículo Cristão. E,
para começarmos a selecionar os conteúdos que educam na piedade, precisamos
partir do ensino da Bíblia. Se começarmos com a Palavra de Deus, veremos que
ela enfatiza, por exemplo, a necessidade da criança aprender as leis morais de
Deus, o que vai exigir um forte ensino das doutrinas e da moral cristã. Assim, os
Dez Mandamentos e as demais leis de Deus que regem a nossa vida e toda a
criação deverão ser ensinados, seja numa disciplina particular, ou dentro das
disciplinas regulares. Se "toda a Escritura é inspirada por Deus e útil
para o ensino, para a correção, para a educação na justiça" (II Tim 3:16),
segue-se que todos os ensinamentos da palavra de Deus devem fazer parte do
nosso currículo, e ensinados à medida que a idade da criança permita a sua
compreensão: a criação, a queda, a história da redenção, a história do dilúvio
e de suas consequências para o nosso mundo, a obra de Deus na história; a vida
e a obra de Cristo; o ensino da Bíblia sobre o futuro. Não, essas coisas não
fazem parte dos parâmetros nacionais, mas elas estão no primeiro plano da
educação cristã.
Deus
nos ordena também que "os louvores do Senhor, e o seu poder, e as
maravilhas que fez" (Salmo 78:4) sejam ensinados à geração vindoura. Esse
mandamento nos obriga a dar ênfase ao ensino da história dos grandes feitos de
Deus. Não tanto, sugiro eu, começando com a história pessoal da criança, do seu
bairro, cidade ou país, como fazem a maioria dos livros didáticos e currículos
seculares, mas a ênfase bíblica parece cair numa visão abrangente da história
do mundo, desde Adão e Eva até as profecias da segunda vinda de Cristo,
passando pelos grandes acontecimentos da história da redenção, enfatizando a
vinda de Jesus como o acontecimento crucial da história, e ensinando as
crianças a verem o seu lugar e papel nesse grande arcabouço do plano de Deus
para esse mundo e para a sua igreja.
A
Palavra de Deus também afirma que o ensino e o exercício na piedade é mais
proveitoso que o exercício físico. Por isso, a prática da piedade, entendida como
as virtudes cristãs provenientes do temor do Senhor deveriam preceder em
importância aqueles exercícios que são apenas para o corpo, como exercícios
repetitivos para a coordenação motora, a
prática de esportes e outras ênfases semelhantes. O desenvolvimento do caráter
do aluno enfatizará muito mais os frutos do Espírito elencados em Gálatas 5 e a
descrição que Jesus fez do cidadão do reino de Deus nas bem-aventuranças do que
os jargões seculares da socialização, do respeito à diversidade, e dos
"direitos da criança". A ênfase bíblica no respeito à autoridade, por
exemplo, e na criança como cidadã do reino de Deus em primeiro lugar, trará de
volta aos nossos currículos uma versão cristã da verdadeira "educação
moral e cívica".
Além
disso, temos o livro de Provérbios como um verdadeiro compêndio educacional que
fornece uma série de temas que são essenciais à educação cristã das crianças na
sabedoria proveniente do temor do Senhor. Eles enfatizam um leque tão amplo de
virtudes cristãs, intelectuais e práticas, tratando, por exemplo, da
valorização e aquisição do conhecimento e da sabedoria, da importância da
obediência; de questões econômicas como a diligência no trabalho, o uso sábio
do dinheiro; de questões sociais como o não se intrometer demais na vida dos
vizinhos e fugir das más companhias masculinas e femininas; e mesmo de assuntos
simples e práticos como a frugalidade na economia doméstica, o observar e
cuidar dos animais, o tratamento sustentável da criação, e muitas questões
semelhantes.
O
Novo Testamento também está cheio de direcionamentos quanto ao conteúdo da educação
cristã: O apóstolo Paulo, por exemplo, orienta os Filipenses que tudo quanto
seja verdadeiro, respeitável, justo, de boa fama, seja isso o que ocupe o nosso
pensamento (Filipenses 4:8). Essa lista certamente nos ajudará a julgar aquilo
que pertence e o que não pertence ao nosso currículo. E quando lemos, no verso
seguinte, "e o que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes
em mim, isso praticai" (Filipenses 4:9), poderíamos pensar assim: como as
crianças vão poder imitar e obedecer o ensino do apóstolo Paulo se eles nem
sabem quem ele foi? Elas terão que aprender os livros e as histórias do Novo
Testamento; terão que ter uma boa base literária o quanto antes que as capacite
a ler e a interpretar corretamente a palavra de Deus. E quanto ao ensino do
apóstolo Paulo em I Coríntios 6 sobre o cuidado do nosso corpo como templo do
Espírito Santo? O que isso implica para o ensino de assuntos como Saúde e
Nutrição? E quando ele diz que devemos ser capazes de fazer bons julgamentos em
questões legais para ajudar nossos irmãos em Cristo? O que isso nos diz sobre a
necessidade de estudos jurídicos e governamentais dentro de uma perspectiva
cristã? Sim, insisto: comecem com a Palavra de Deus. O que ela tem a dizer
sobre as nossas prioridades educacionais? Vocês verão que ela tem muito a
contribuir para os próprios conteúdos curriculares.
Como
já enfatizamos no princípio, a Palavra de Deus não só fornece conteúdos para o
nosso currículo, como ela oferece alguns princípios teológicos que são muito
úteis para nos nortear na seleção de conteúdos curriculares e na organização de
cursos e disciplinas. O que faz um currículo cristão não é necessariamente a
quantidade de assuntos e temas religiosos que incorporamos. O currículo é mais
ou menos cristão à medida em que reflete e promove os princípios, as ênfases e
as prioridades de Deus para a Educação Cristã. Agora seria uma boa hora de relermos
sobre a nossa cosmovisão na Fase 1 e buscar ter sempre em mente esses valiosos
princípios extraídos da Palavra de Deus. Como afirmou Jaarsma, o estudo do que
a Palavra de Deus considera importante servirá como uma luz para o educador
cristão.
Genuína Cultura: Buscando uma Educação Integral pela Ampliação do Leque do Conhecimento
O
segundo eixo - o horizontal - do currículo cristão é o cultural. Jaarsma chama
de "genuína cultura" o conjunto do produto cultural da humanidade que
foi produzido de conformidade com a Verdade de Deus ou que está de acordo com
essa verdade, ainda que esse conhecimento seja proveniente dos incrédulos. É
nesse sentido que afirmamos que "a verdade, onde estiver, é nossa".
Mas sabemos que há também uma cultura falsa, mentirosa, enganosa, tendenciosa e
perniciosa produzida pela humanidade que é antitética à verdade de Deus, e que
não deve fazer parte do nosso currículo, a menos que seja como exemplo negativo
ou como tema de análise crítica por alunos mais maduros. Contudo, é somente do
produto cultural verdadeiro e genuíno da humanidade, no seu sentido mais amplo,
que devemos selecionar os conteúdos curriculares que mais colaborarão para a
formação de bons cidadãos do reino de Deus e de pessoas maduras, íntegras e
tementes a Deus, perfeitas e perfeitamente habilitadas para servir a Deus e aos
seus semelhantes no tempo e no lugar em que Deus as coloca.
Nesse
sentido, parece-me que a grande necessidade de um bom currículo é, por um lado,
expressar o leque mais amplo do conhecimento, ou seja, ensinar às crianças uma
amostra bem representativa das verdades de Deus que têm sido descobertas e
trabalhadas pela humanidade no decorrer de sua existência; e por outro, expressar
o inter-relacionamento dessas verdades entre si e com Cristo. A Bíblia nos diz
claramente que todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento residem em
Cristo, subsistindo nele, sendo unificados, centralizados e ultimamente
explicados em Cristo. Não é à toa que os educadores seculares reclamam do
problema da falta de unidade do conhecimento; mas nós temos em Cristo a chave
dessa tão necessária unidade. A relação do homem e de cada tema estudado com
Deus é o fator controlador na escolha do assunto. Todo corpo de assuntos
organicamente relacionado deve ser consolidado pela verdade que emerge da fonte
de toda sabedoria, Cristo. Assim, mesmo nas aulas de matemática, de ciências,
de geografia, e de línguas, ou de educação física, nossos alunos deverão ser
conduzidos ao estudo da Bíblia e das verdades de Deus relacionadas àquele
assunto e à adoração a Deus constantes. De minha parte, ainda não encontrei um
esquema mais útil para expressar essa noção da diversidade e da unidade da
existência e do conhecimento do que aquele proposto pelo filosofo reformado
holandês Herman Dooyeweerd, que incluí como Leitura Adicional nesse material,
por sua vez extraída do artigo de minha autoria "A Contribuição de Herman
Dooyeweerd para a Educação Reformada".
A
questão da ampliação do leque do conhecimento para que o ensino reflita a
abrangência da nossa fé parece ser uma das grandes necessidades das escolas
cristãs de nosso país, mais do que o acréscimo de "cultinhos devocionais"
ou de disciplinas religiosas. A valorização de toda a verdade como sendo de
Deus e o reconhecimento de que a educação tem como alvo formar a criança
integralmente, e no contexto da sua vida, requerem que tenhamos uma idéia
melhor da extensão do conhecimento. E ninguém pense que isso se exaure na totalidade
do conteúdo do vestibular. Nem no conjunto dos mais variados cursos
universitários existentes em nosso país, embora isso possa nos ajudar a ter uma
idéia ampla das diferentes áreas do conhecimento. Deve-se lembrar que a
educação em nosso país não tem se destacado pela sua qualidade, nem teve
origens bíblicas; por isso podemos detectar problemas de ênfases unilaterais,
(por exemplo, a valorização de certos cursos científicos e de profissões de
prestígio em detrimento da valorização das artes, letras, e esportes; ou a
priorização da geografia sócio-política em detrimento do conhecimento do mundo
natural criado por Deus), havendo ainda áreas do conhecimento que são
virtualmente inexploradas, desprezadas ou distorcidas, como a inexistência de
cursos superiores de economia doméstica para mulheres, por exemplo, ou de
cursos de administração, de história, de pedagogia, etc. cristãos).
Então,
como é que fazemos isso? Como dar à criança uma idéia das várias dimensões do conhecimento?
Normalmente, esquematizamos o currículo por meio das disciplinas tradicionais:
matemática, estudo de uma ou mais línguas, ciências, geografia, história,
escrita ou redação, arte e educação física, com ênfase maior na matemática e no
português. Será que essas disciplinas são amplas o suficiente? Certamente,
qualquer esquema como estes é útil, especialmente se tivermos uma visão mais
ampla e compreensiva de cada uma delas. Por exemplo, de que a matemática
deveria incluir noções de espaço, de extensão, de representação simbólica, de
análise e distinção, de economia, de confiança nas leis e ordem colocadas por
Deus neste mundo, além de ser sempre acompanhada, ou melhor, extraída, de
situações e problemas práticos do dia-a-dia da criança. De que as línguas
tratam da representação simbólica e objetivam a boa comunicação, e é para isso
que se deveria estudar tanto as leis da gramática e da ortografia, como o
aspecto analítico e as leis da boa interpretação, como ainda o uso formativo e
criativo da linguagem, sem desprezar as noções da oratória e elocução, e dos
princípios bíblicos do pensar cada palavra para a edificação, do refrear os
pecados da língua. Ou ainda, de que as ciências incluem todo o relacionamento
do homem com a criação, incluindo tanto o estudo da vida, do movimento, da
velocidade, da matéria, da energia, do meio-ambiente, como as leis de Deus para
o seu bom funcionamento, como hábitos de vida saudáveis, habilidade prática com
animais e plantas, incentivo à exploração e novas descobertas em laboratórios e
na engenharia, etc. Assim, devemos lembrar sempre que cada disciplina pode ser
trabalhada em seu aspecto teórico e em suas aplicações práticas; em seu
relacionamento com as leis de Deus e com as demais disciplinas, de maneira que
elas podem ser sempre interessantes, enriquecedoras, complementares e
formativas para a pessoa integral.
Na
realidade, haveria um número infinito de disciplinas que poderíamos criar para
os diversos níveis da educação cristã, mas pretendo mencionar alguns eixos
curriculares essenciais para a educação cristã, extraídos dos nossos princípios
de fé; e oferecer aos leitores uma idéia de nossas "disciplinas
obrigatórias", sejam quais forem as tendências curriculares adotadas.
1) Ênfase no Mundo Natural
Se,
como temos dito, para sermos bons cidadãos desse mundo, é preciso que
conheçamos nossa verdadeira herança cultural, juntamente com seu aspecto
espiritual, segue-se que um eixo central do nosso currículo deve ser o estudo
da natureza em seu sentido mais amplo, especialmente buscando ver como ela
reflete os atributos do Criador. As muitas descobertas que têm sido feitas no
campo das ciências naturais; a geografia, a biologia, a medicina, a geologia, a
astronomia, todas fornecem assuntos importantes para o currículo que busca
expressar a glória do Criador através da variedade, sabedoria e beleza da
criação. Nas séries inferiores, esses conteúdos todos normalmente são
conhecidos como as Ciências Naturais. Esses conteúdos podem ser também usados
como unidades ou eixos de ensino que são facilmente adaptáveis a várias séries,
podendo ser temas unificadores da educação cristã, por exemplo, a partir do
foco na criação. As coisas criadas por Deus em cada dia da criação podem ser
ensinadas a todas as séries, de maneira cada vez mais complexa, e elas
eventualmente irão abranger um curso completo de Ciências.
2) Ênfase na História Mundial
A
história do mundo ocupa outro eixo central do currículo cristão, pois ela
revela a sabedoria, a graça e o poder das obras da Providência de Deus. O
estudo dos personagens, acontecimentos e descobertas da história da humanidade
revelam o plano eterno de Deus e permitem que a criança comece a compreender o
seu lugar e o seu papel neste grande esquema da realidade, além de fornecer
exemplos positivos e negativos, de inspirar as crianças na verdadeira nobreza
pelo conhecimento de verdadeiros heróis e de dar à criança uma noção da
responsabilidade humana e das consequências de suas ações dentro do plano soberano
de Deus. Essa disciplina incluirá o conhecimento e a interpretação de fatos
históricos, a leitura de textos e de obras históricas originais, e o estudo de
biografias e de histórias verídicas que permitam que a criança se insira na
vida cotidiana de outros tempos e lugares. Algumas ficções baseadas em fatos
reais como as obras excelentes de G. H. Henty, ou as de Lucille Travis, que conta, por
exemplo, a história de uma menina israelita chamada "Tirzah"[1], que vive no Egito, na época de Moisés,
são excelentes para fazer vívido, por exemplo, a realidade cotidiana do Egito
Antigo e a História do Êxodo na mente das crianças. Inserir no currículo a
leitura de ficções dessa natureza tem se provado uma maneira excelente de se
ensinar história às crianças de maneira interessante, fácil, cativante e
inesquecível, especialmente quando há carência de biografias verídicas de
pessoas que viveram em um determinado período histórico.
Há
ainda todo um apanhado de assuntos clássicos, ou seja, aquela literatura de
caráter permanente, provado pelo tempo, que capta e reflete a verdade e a
essência da natureza humana; sejam escritos da antiguidade, como o Épico de
Gilgamesh, as fábulas de Esôpo, a história das antigas civilizações com suas
descobertas; sejam do mundo medieval com seus costumes e organização própria,
com destaque para os escritos dos pais da igreja, e leitura de obras originais
como "a Cidade de Deus", de Agostinho; sejam do mundo moderno, da
história das mudanças e descobertas da renascença, especialmente em seu
relacionamento com a reforma protestante, em que a criança aprenderá sobre a fé
de Pascal e dos grandes cientistas... Todos esses conteúdos
"clássicos", de cultura geral, são sempre válidos e importantes e
podem fazer da História uma disciplina envolvente e extremamente enriquecedora.
3) Ênfase Sócio-Instrumental
As
línguas e a matemática constituem um terceiro eixo indispensável ao currículo
cristão, especialmente pelo seu valor instrumental para a aquisição do
conhecimento, para a vida prática e para o intercurso cultural. Por mais
diferentes que sejam essas duas disciplinas, ambas são linguagens ou representações
da realidade que nos ajudam a compreender, a gravar e a reproduzir conceitos e
eventos; e ambas são baseadas em leis e regras bem definidas, sem as quais não
podemos usar esses instrumentos apropriadamente. Embora essas disciplinas não
pareçam embeber tanto os princípios da nossa fé, elas estão normalmente em
primeiro plano também no currículo cristão, porque dependendo da proficiência
do aluno nestes instrumentos ele será capaz de avançar no seu conhecimento de
muitas outras áreas. Então, essas disciplinas ocuparão sempre um lugar privilegiado
na educação especialmente nos seus primeiros anos, (as primeiras horas do dia,
a maior carga horária do ensino fundamental) e isso deve ser assim, até que as
crianças dominem essas linguagens e saibam aplicá-las na prática para conhecer
melhor o mundo e as verdades de Deus em todas as demais áreas.
Pense
também na necessidade que temos de preparar a criança para o presente e para o
futuro, para a sua realidade, para o mundo tecnológico, globalizado,
pós-moderno e ao mesmo tempo, como já foi dito, pós-cristão, que ela irá
adentrar. Que conteúdos poderão melhor prepará-las para viver nesse mundo como
cidadãs do Céu? Segundo De Jong, (Curriculum Making for the Christian School.
In: Fundamentals in Christian Education. Eerdmans, Grand Rapids, p. 223), a
criança precisa ser preparada socialmente para o seu próprio tempo, e isso deve
ser feito por meio de muitos assuntos variados do currículo. Não no sentido de
permitir que a mudança dos tempos afete a revelação, pelo contrário, mas porque
a revelação divina contém uma mensagem para cada tempo, pelo que essas
temáticas atuais devem ser introduzidas para inspirar a criança a servir a
Cristo em seu dia, circunstâncias e idade.
Juntamente
com essa base ética e moral, a educação cristã precisa também adaptar-se às
necessidades práticas emergentes que as habilitem a atuarem produtivamente no
mundo atual: a datilografia, a informática, orientações quanto à pesquisas online
e a como lidar e fazer bom uso das novas tecnologias, a proficiência nas
línguas universais da atualidade, o conhecimento das novas fronteiras
tecnológicas, e do que a Bíblia tem a dizer sobre esses assuntos... De alguma
forma, o currículo cristão, para formar um bom cidadão do reino de Deus nesse
mundo, precisará incorporar também essas novas técnicas e habilidades.
Jaarsma
sugere que devemos julgar os conteúdos segundo o critério social do crente como
alguém que vive no mundo, mas não é do mundo. Para isso, devemos sempre unir a
atividade cultural (resposta à natureza- Exemplo: cuidar do jardim, lavar a
louça, planejar uma construção, tratar uma doença, conhecer os problemas do
Oriente Médio) à atividade espiritual (resposta a Deus- Exemplo: O que Deus, na
Sua Palavra, tem a dizer sobre cada um desses assuntos? E como podemos fazer
essas coisas para a glória de Deus). Expressamos isso em termos da nossa
cidadania celestial, e isso nos fornece a perspectiva em que abrangemos todo o
aspecto sócio-cultural do nosso currículo.
Serviço Altruísta: Usando o Aprendizado para Servir ao Reino de Deus pelo Serviço nas Vocações.
Verdadeira
Piedade. Genuína Cultura. E poderíamos acrescentar um terceiro alvo, e um
terceiro eixo para nortear o currículo Cristão: O serviço do Reino, que abrangeria
toda aquela aplicação dos conhecimentos e habilidades escolares que deve
capacitar o aluno a servir de fato ao reino de Deus através do serviço ao
próximo dentro das vocações individuais e das circunstâncias, lugares e tempo
em que Deus coloca cada um na sua providência. A descoberta e o desenvolvimento
dos dons individuais, a habilidade de ler e escrever sendo usada para alegrar
um velhinho com as palavras da Bíblia ou para redigir uma carta a um amigo
distante; o conhecimento geográfico servindo para estimular a propagação do
Evangelho em lugares remotos; a habilidade física e da matemática sendo usada para
reparar a casa de uma pessoa carente, o conhecimento biológico sendo usado para
formar hábitos de vida saudáveis e prevenir doenças, ou para formar um
excelente médico cristão; o conhecimento artístico sendo expresso em belas
músicas ou pinturas que dão prazer e glorificam a Deus... esse é um ideal do
currículo cristão que precisa ser buscado de maneira consciente e consistente
em todas as disciplinas, em todas as aulas.
Tudo o que é aprendido deve estimular e
capacitar a criança a querer usar esse aprendizado para o serviço útil nesse
mundo, apesar dessa ênfase no trabalho e no serviço ao próximo ser tão
depreciada e mesmo condenada em nossa época e especialmente em nosso país. A
ênfase sócio-instrumental de que tratamos acima nos lembra dessa necessidade
que a Bíblia nos impõe como cidadãos do reino de Deus nesse mundo. O nosso
texto básico de II Timóteo 3 também ensina, no verso 17, que o propósito da
educação não é meramente formar pessoas piedosas e eruditas, mas que: O homem
de Deus (piedade), seja perfeito e perfeitamente habilitado (conhecimento e
habilidades) para toda boa obra
(serviço). Talvez não estaríamos exagerando se parafrasearmos o conhecido verso
de Tiago dizendo que "a educação, sem obras, é morta". O conhecimento
que não é mostrado pelo nosso serviço e trabalho nesse mundo não pode ser
verificado; é inútil. O autor de Eclesiastes considerou vaidade todo saber e
enfado nos livros, mas deu repetido valor ao prazer, utilidade e frutos duradouros
do trabalho (Ec. 3:13; 11:1-6; 12:13-14) Não há como nos esquivarmos da ênfase
bíblica no serviço ao próximo dentro de nossa vocação e de nossa esfera de
atuação, cabalmente ensinada e exemplificada pelo nosso Senhor: "Meu pai
trabalha até agora, e eu trabalho também." (João 5:17) Como Cristo usou
seu conhecimento e poder para o serviço às pessoas! Como o dever de todo cristão
é resumido em Miquéias 6:8 por obras como praticar a justiça, amar a misericórdia,
e andar humildemente diante de Deus. Que o currículo cristão busque formar pessoas que dêem frutos como
esses!
Assim,
a criança da pré-escola que aprende a organizar e a classificar deveria ser
estimulada a fazer isso para arrumar os talheres na gaveta ou para organizar os
seus sapatos e brinquedos. A coordenação motora aprendida pode ser colocada em
bom uso quando a criança é chamada para lavar louças ou fazer pequenos serviços
no lar. A educação física deve ensinar não somente as regras do futebol, mas
estimular que as crianças usem seu corpo para obedecer aos pais com habilidade,
rapidez e uma postura que a capacite a fazer um serviço bem feito como lavar um
balde ou um carro sem se cansar, e sem se machucar. E assim por diante.
Imaginem o quanto uma criança que foi educada assim por toda a sua vida poderá
ser capaz de fazer quando for jovem? Elas podem ser tão úteis à Igreja e à
sociedade ao seu redor desde muito novas. Os jovens normalmente têm mais
facilidades para adquirir e usar habilidades na área da informática e das novas
tecnologias; elas deveriam sair da escola com idéias bem definidas e planejadas
de negócios ou de projetos em que poderiam servir às necessidades ao seu redor,
e principalmente, às necessidades da igreja de Deus.
Há
educadores cristãos que vêem essa necessidade como tão primordial a ponto de
organizarem todo o currículo em torno de projetos úteis como os que mencionei;
tratarei um pouco mais dessa tendência num post
posterior, defendida, por exemplo, por Jay Adams e pelo casal de educadores
Raymond e Dorothy Moore. Mas sabemos que esse eixo deve ser mantido juntamente
com os anteriores, e acredito que ele pode ser muito bem desenvolvido como um
produto, aplicação ou mesmo como um foco dos conhecimentos espirituais e
culturais que a escola está trabalhando. Piedade. Cultura. Serviço. Sempre
tenham em mente esses três eixos básicos do currículo cristão.
Implementação da Proposta Curricular Cristã e Integral: Os Diferentes Modelos Curriculares
Uma
opção que temos na montagem de nosso currículo é manter as disciplinas
tradicionais, mas buscando enriquecê-las com os conteúdos desejados para a
formação integral da criança. Outra opção é criar sub-disciplinas (Ex: incluir
a oratória, a música, a informática, a metrificação das poesias, etc., como
unidades ou temas recorrentes dentro do Português, ou a nutrição, a saúde, a
culinária, a educação física, o papel de Deus para os gêneros, por exemplo,
dentro das Ciências Biológicas).
Há
ainda a possibilidade de criarmos novas disciplinas para atenderem
especialmente ao propósito vocacional; por exemplo, a economia, (que deverá
incluir as habilidades de planejamento e a administração frugal dos recursos, a
formação de gerentes e líderes habilidosos), a sociologia cristã (a lei áurea,
a independência do grupo, o estudo dos nossos deveres para com os próximos, a
consideração do aspecto sensitivo de como lidar com as emoções próprias e dos
outros), o conhecimento jurídico (das leis do país e de outros países comparadas
às leis de Deus); a arte e a estética (a música, a poesia, as artes plásticas, a
culinária, etc., em sua teoria e prática), a ética (que inclui o compromisso
com causas nobres, o sacrificar-se pelos outros, a maneira bíblica de lidar com
temas controvertidos da atualidade, etc.); uma "educação física" que
vá além da prática de alguns esportes básicos, com toda uma base teórica e
exercícios práticos para a boa postura, para a prevenção de doenças, etc., e
uma disciplina talvez de "trabalhos manuais domésticos", que ensine
às crianças e jovens conhecimentos básicos e úteis sobre mecânica, encanamento
e construção, a usar ferramentas, a
construir com madeira e ferro, a decorar uma casa, a costurar, a fazer
artesanato, a cuidar de roupas, a contabilizar lucros e gastos de um negócio, a
fazer compras e cozinhar refeições nutritivas; todos esses assuntos que têm
sido pouco explorados na educação secular de nosso país poderiam muito bem
formar novas disciplinas (obrigatórias ou parcialmente optativas; por exemplo,
a criança poderia optar por uma disciplina artística, seja música, seja arte,
etc; ou os meninos poderiam escolher trabalhos manuais mais orientados para o
uso de ferramentas e as meninas, os mais domésticos), ou ainda poderiam formar cursos
especiais, intensivos ou de pouca duração.
Ainda
outros currículos cristãos têm buscado a integralidade a partir da estrutura da
educação clássica: eles focalizam nos primeiros anos (fase gramatical) as
disciplinas instrumentais, como as línguas e a matemática, a imitação, a cópia
e a memorização de leis e fatos e versículos importantes, o que seria um
aprendizado mais natural, fácil e apropriado às crianças pequenas. A fase
seguinte seria a racional, em que as crianças estão mais prontas a investigar o
como e o porquê das disciplinas, na qual os fatos memorizados na primeira
infância seriam explorados em disciplinas como ciências, história, geografia,
arte, e etc. E numa terceira fase, já por volta do ensino médio, os jovens
explorariam os temas que têm dominado de maneira mais artística, expressiva, e
criativa, a partir de produção de textos e apresentações que focalizam a oratória,
os debates e a beleza da expressão.
Há
ainda currículos que buscam abranger os tópicos a partir de Unidades Tópicas (Unit Studies) que são adaptáveis à
diversos níveis de ensino e que geram atividades nas mais diversas disciplinas.
Essas unidades podem ser tiradas da história, das ciências, da geografia, etc.,
e elas são ideais para explorar as humanidades e as ciências em classes
multiseriadas, tendo também a capacidade de integrar diversas disciplinas e
habilidades a partir dos tópicos estudados. Como exemplo, citamos o currículo
"Tapestry of Grace", que
trabalha história, literatura, geografia, ciências, arte e projetos úteis e
outros temas a partir da história do mundo; e o material de ciências produzido
por Jay Wile, "Science in the
Beggining" que trabalha as ciências a partir dos dias da criação e que
propõe atividades para diversas idades e disciplinas.
Trataremos
da questão metodológica mais adiante, e de como o currículo cristão deve ou não
fazer uso das metodologias educacionais vigentes ou passadas. Há uma variedade
enorme de propostas cristãs para o currículo, especialmente na língua inglesa; algumas
mais tradicionais, outras mais clássicas, outras mais vocacionais, e uma grande
combinação destas. Há materiais mais voltados para a sala de aula escolar e
outros mais para uma educação no lar ou fora do ambiente escolar; Há uma grande
flexibilidade também para quem quer adaptar o currículo ao estilo de
aprendizagem de cada criança e para as características das várias famílias,
escolas, e sociedades. Há currículos cristãos mais ou menos centrados na
Bíblia, mais ou menos rigorosos academicamente, e mais ou menos aplicados à
vida. Mas o ponto que esperamos ter deixado claro nesta fase 3 de seleção de conteúdos
é que um currículo cristão digno do nome precisa ser idealizado, montado e
julgado com base nestes três eixos fundamentais: o ensino da piedade; o
conhecimento da verdade de Deus nas mais diversas áreas; e a utilização do
aprendizado para o serviço humilde e altruísta ao próximo.
Os
próximos dois posts dentro dessa
série sobre o currículo serão leituras adicionais que tratarão, o primeiro, da
questão do desenvolvimento integral da criança de uma perspectiva cristã a
partir da visão do filósofo reformado Dooyeweerd, que propôs um arcabouço muito
interessante para nos ajudar nessa tarefa de elaborar um currículo integral; e
o segundo explorará com mais detalhes três correntes curriculares que são
usualmente adotadas por educadores cristãos, a saber, a tendência clássica, a
vocacional, e a tradicional. Somente após lançadas e compreendidas essas
importantes bases é que finalizaremos com sugestões práticas para a construção
do currículo, com passos, cronogramas e com a discutida questão dos materiais
didáticos. Espero que estejam gostando e desejando conhecer mais e buscar a
elaboração de um currículo verdadeiramente cristão e mais apropriado para os
nossos pequenos cidadãos do reino de Deus.
[1] Ver os livros de Travis, Tirzah e Timna; a série da história mundial de Susan Bauer, e
as aventuras históricas de G. H. Henry.
Que texto rico!!! Estou muito grata por ter encontrado algo assim que há muito procurara...
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