*Adaptação de material elaborado a pedido do Centro de Estudos John Knox, em Belém, PA, como sugestão para a reorganização curricular da educação infantil. Por Karis B. G. Anglada Davis.
** Esta é a primeira de uma série de postagens que tem como objetivo incentivar e orientar passo-a-passo educadores e escolas cristãs a adotarem um currículo próprio e distintivamente cristão. PROPOSTA PARA A REFORMA CURRICULAR DE ESCOLAS CRISTÃS
INTRODUÇÃO
A Importância do Currículo
De
todos os elementos da educação cristã,
depois do referencial teológico-filosofico-pegagógico, entendo que
currículo é aquele mais fascinante e digno de estudo e aperfeiçoamento, pelo
fato de ser um elemento em si mesmo poderoso, central e decisivo. O currículo é
poderoso porque é em si mesmo ativo e
formativo, visto que ele sempre está refletindo uma ideologia ou filosofia que
é profundamente moral e religiosa. Essa lista de conteúdos seriados que
chamamos de currículo não constitui uma norma universal e neutra para a
formação das crianças. Ele varia muito de um país para outro, de uma época para
outra, e até de uma família para outra, e está sempre a serviço dos interesses
de algumas pessoas, grupos ou instituições, sejam estes mal-intencionados, bem
intencionados, ou talvez despropositais ou impensados, o que é igualmente
pernicioso, do ponto de vista cristão. A história da educação mostra como os
currículos já foram usados para formar os cidadãos para os interesses diversos
do Estado (ora bons soldados, ora pensadores e sustentáculos da democracia, ora
inquestionáveis e servis seguidores de projetos ideológicos dos grupos em
poder), ou para promover ou perpetuar as doutrinas e modo de vida de uma
comunidade. Como cristãos nós não negamos que o currículo seja sempre
intencional, proposital e poderoso para servir interesses, mas desejamos que
ele seja sábia e intencionalmente usado para a promoção do reino de Deus nesse
mundo, e para a formação de bons cidadãos, soldados e defensores desse reino.
O
currículo é também importante por ser central
à educação. É em grande parte por meio dos conteúdos educacionais que professor
e aluno se encontram e interagem; por meio deles as mensagens ideológicas e as
aplicações práticas são transmitidas; e por meio dele as nossas crianças são
formadas intelectualmente, moralmente e espiritualmente. As interações sociais,
os dons do professor, um ambiente escolar apropriado, bons métodos de ensino,
todos ocupam um papel importante, mas assim como a verdade e a doutrina correta
determinam a qualidade da nossa fé, e assim como a pregação fiel da palavra de
Deus são o centro do culto reformado, os temas e conteúdo do ensino cristão é o
que tornam a educação distintamente cristã.
O
currículo também tem um caráter decisivo,
porque constitui um elemento de transição entre a teoria e a prática.
Diretrizes curriculares são sempre um primeiro passo para as mudanças mais
práticas no ensino que ocorrem na sala de aula. O currículo é onde as nossas
concepções filosóficas e pedagógicas se traduzem em objetivos individuais para
o aluno e em requisitos para o aprendizado. Ele une os nossos mais altos
objetivos às lições e ao dever de casa de cada aluno individual. Por isso um
ensino distintamente cristão deveria partir de um currículo distintamente e
propositalmente cristão. Mas será que isso está acontecendo em nossas escolas
cristãs? Parece-me que, se compararmos cada elemento da escola cristã com as
escolas seculares, seria possível e até fácil notarmos diferenças, por exemplo,
no caráter e empenho dos professores das escolas cristãs, no perfil do alunado,
cujos pais, em sua maioria, são pertencentes a alguma denominação eclesiástica;
nos versículos e nas decorações das salas de aulas, na rotina diária de
cultinhos e corinhos cristãos, no acréscimo de aulas de educação religiosa ou
moralidade; e muitas vezes até num melhor desempenho acadêmico dos alunos da
escola cristã, mas temo que uma comparação de suas propostas curriculares e
planos de curso (e talvez até de algo tão básico como suas propostas pedagógicas)
denunciarão uma forte semelhança. Talvez, neste aspecto curricular, elas sejam
mesmo indistinguíveis.
O Dilema Curricular
É
verdade que os parâmetros curriculares nacionais cerceiam a nossa liberdade até
certo ponto. Agrega-se a isso a carência de material pedagógico distintamente
cristão, e a fraqueza acadêmica e filosófica dos métodos de ensino que estão
embutidos nos materiais seculares disponíveis. E mesmo quando as escolas ou instituições
procuram elaborar ou fornecer livros ou materiais com conteúdos mais distintamente
cristãos, deparamo-nos ainda com o desafio da qualidade e profundidade
acadêmica destes.
Sim,
a pressão é grande de todos os lados. Sem dúvida, os testes nacionais como o
Enem e a busca pela aprovação no vestibular já põem montanhas de conteúdos
obrigatórios diante de nossas escolas, que exigem muitas horas extras para
serem cobertos. Além disso, a competição acadêmica com outras escolas e a
relação dos assuntos que os livros didáticos e a cultura secular brasileira
apresentam como importantes não dão espaço nem tempo para as escolas cristãs
abordarem conteúdos que a nossa fé nos ensina a dar maior atenção. Ao mesmo
tempo em que há essa pressão para o ensino de tantos conteúdos, as escolas
cristãs ainda precisam lidar com a incoerência das pedagogias modernas que, ao desdenharem
abordagens mais tradicionais e conteudistas, assim como o ensino sistemático da
gramática e das leis regem as disciplinas, insistem na primazia do lúdico, das
atividades livres que de alguma forma devem emergir da vida e do interesse de
cada aluno individual. Isso torna a questão curricular um palco de batalhas
onde o caminho da vitória é, nesses termos, virtualmente inalcançável.
Como
conciliar todas essas pressões? Esse é um grande desafio da educação atual, mas
é um desafio que a escola cristã não precisa enfrentar em detrimento ou à parte
de sua fé, pelo contrário. Se alguém tem uma saída para esse dilema, esse
alguém somos nós, cristãos, que temos na Palavra de Deus um alvo, um rumo e um
caminho colocado claramente diante de nós. Nós sabemos a quem servir; nós temos
um Mestre Divino; nós ouvimos as Suas instruções e confiamos que Ele tem o
poder de cumprir aquilo que nos promete, ainda que o mundo nos condene, ainda
que nós mesmos não compreendamos como tudo vai se encaixar para o nosso bem.
Mas a fé e a obediência da vida cristã devem reger e dirigir também nossos
problemas curriculares. Mesmo aqui, no meio desse emaranhado curricular, a
escola cristã é chamada a buscar em primeiro lugar o reino de Deus e a sua
justiça, sabendo que todas as demais coisas lhe serão acrescentadas. Ela é
chamada a obedecer antes a Deus do que aos homens. Ela é chamada a renovar as
nossas mente segundo o ensino da Palavra de Deus; a exaltar o temor do Senhor e
a não temer a face de homem algum; a não adorar as "bestas" dos
governos nem das filosofias seculares, mas a seguir a voz do Cordeiro por onde
quer que vá; a formar bons cidadãos do reino de Deus, e a ensinar
diligentemente aos herdeiros das promessas de Deus, acima de tudo, os louvores
do Senhor, o seu poder, e as maravilhas que fez.
A Proposta do Currículo Cristão
Pensar
a questão curricular das escolas cristãs, portanto, começa ao se indagar, com
Solano Portela, "O que estão ensinando aos nossos filhos?"[1], e vai além, perguntando: "Que
práticas, idéias e teorias estão sendo ensinadas aos nossos filhos por meio dos
conteúdos propostos nas diretrizes curriculares e nos livros didáticos?";
"Qual é a mensagem central que o currículo está transmitindo às nossas
crianças: a verdade de Deus ou simplesmente idéias e ênfases humanas?"; E
finalmente: "A quem os nossos currículos estão servindo? Ao reino de Deus
e à sua justiça, ou à cidade dos homens e às suas vaidades?" . O passo
seguinte é pensar e trabalhar para prover um currículo alternativo cristão,
cujos conteúdos sejam cuidadosa e propositalmente selecionados para ensinar as
idéias e práticas distintamente cristãs, para transmitir as verdades de Deus
sobre as mais diversas áreas do conhecimento, e para servir, de fato, aos
interesses e à agenda do Evangelho de Cristo, tanto para o mundo como para as
criança do povo de Deus.
Acredito
que essa tarefa não é uma opção ou um passo extra, mas é fundamental e
imperativa para aqueles pais e educadores que desejam ser fiéis a Deus, à sua
verdade e ao seu reino no âmbito de seu ofício educativo. E foi exatamente para
encorajá-los e guiá-los nessa tarefa inicial que escrevi este material. E essas
considerações devem levá-los à oração, ao planejamento e à ação sábia voltada
para uma mudança prática dos currículos de nossas escolas que evidencie a
distinção entre nossos alvos, fé e modo de vida daqueles que não têm nenhum
compromisso com o nosso Senhor Jesus Cristo.
Enquanto
os educadores cristãos locais de cada comunidade ou escola cristã, a saber, a
associação de pais e mestres cristãos e a direção pedagógica da escola ou
associação de escolas, não se reunirem para, em oração e com sábia orientação,
tomar decisões corajosas com vistas a criar o seu currículo próprio, cristão e inovador,
a perspectiva cristã das disciplinas ficará comprometida e limitada à
criatividade de cada professor individual dentro dos tópicos determinados pelos
educadores do governo e pelas mentes seculares que estabelecem os conteúdos dos
livros didáticos das diversas editoras seculares.
É
claro que podemos e devemos incentivar e apoiar e aprender de outras instituições
e grupos que estão já buscando trabalhar nessa direção, destaco aqui a iniciativa
do Sistema Mackenzie de Ensino, de S. Paulo, e certamente há esforços
localizados de produção de material educativo por escolas ou pessoas individuais,
que precisam ser reunidos e divulgados para aproveitamento por outras escolas; mas
não podemos ficar só esperando que outros façam o que nós temos a obrigação e a
capacidade de fazer. Muitas vezes, as iniciativas que Deus abençoa para a
realização de Seus propósitos não são aquelas feitas por grupo de doutores e
especialistas, mas por poucas, e mesmo por uma só pessoa comprometida com o seu
serviço a Deus e que busca conhecer e realizar, com fé, a sua vontade. Por poucos que sejam os nossos talentos, não
devemos enterrá-los ou guardá-los, mas trabalhar com o que temos e trazer ao
Senhor o rendimento, certos de que Ele muito poderá fazer com nossos pães e
peixinhos.
Qual
é então o dever das escolas cristãs diante das alternativas que temos em nosso
país? Esse material se propõe a dar algumas sugestões que podem ser implantadas
aos poucos pela direção e pelos professores das escolas cristãs, a fim de que
as nossas escolas sejam cada vez mais servas de Cristo e não de César, a fim de
que sejam instrumentos mais da promoção do reino de Deus do que da cidade dos
homens, e para que elas possam um dia ouvir da boca do nosso Mestre maior:
"Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel no pouco, sobre o muito te
colocarei; entra no gozo do teu senhor". (Mateus 25:23)
[1] referência ao livro de Solano Portela: O que Estão Ensinando aos Nossos
Filhos? São Paulo: Editora FIEL, 2012.
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