“Como Maçãs de Ouro em salvas de prata, assim é a palavra dita a seu tempo.” (Pv. 25.11)

“Feliz o homem que acha a sabedoria e o homem que adquire o conhecimento;
... é Árvore de Vida para os que a alcançam, e felizes são todos os que a retêm." (Pv. 3:13,18)

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

PROPOSTA PARA A REFORMA CURRICULAR DE ESCOLAS CRISTÃS - INTRODUÇÃO


*Adaptação de material elaborado a pedido do Centro de Estudos John Knox, em Belém, PA, como sugestão para a reorganização curricular da educação infantil. Por Karis B. G. Anglada Davis.
** Esta é a primeira de uma série de postagens que tem como objetivo incentivar e orientar passo-a-passo educadores e escolas cristãs a adotarem um currículo próprio e distintivamente cristão.

PROPOSTA PARA A REFORMA CURRICULAR DE ESCOLAS CRISTÃS


INTRODUÇÃO


A Importância do Currículo


De todos os elementos da educação cristã,  depois do referencial teológico-filosofico-pegagógico, entendo que currículo é aquele mais fascinante e digno de estudo e aperfeiçoamento, pelo fato de ser um elemento em si mesmo poderoso, central e decisivo. O currículo é poderoso porque é em si mesmo ativo e formativo, visto que ele sempre está refletindo uma ideologia ou filosofia que é profundamente moral e religiosa. Essa lista de conteúdos seriados que chamamos de currículo não constitui uma norma universal e neutra para a formação das crianças. Ele varia muito de um país para outro, de uma época para outra, e até de uma família para outra, e está sempre a serviço dos interesses de algumas pessoas, grupos ou instituições, sejam estes mal-intencionados, bem intencionados, ou talvez despropositais ou impensados, o que é igualmente pernicioso, do ponto de vista cristão. A história da educação mostra como os currículos já foram usados para formar os cidadãos para os interesses diversos do Estado (ora bons soldados, ora pensadores e sustentáculos da democracia, ora inquestionáveis e servis seguidores de projetos ideológicos dos grupos em poder), ou para promover ou perpetuar as doutrinas e modo de vida de uma comunidade. Como cristãos nós não negamos que o currículo seja sempre intencional, proposital e poderoso para servir interesses, mas desejamos que ele seja sábia e intencionalmente usado para a promoção do reino de Deus nesse mundo, e para a formação de bons cidadãos, soldados e defensores desse reino.

O currículo é também importante por ser central à educação. É em grande parte por meio dos conteúdos educacionais que professor e aluno se encontram e interagem; por meio deles as mensagens ideológicas e as aplicações práticas são transmitidas; e por meio dele as nossas crianças são formadas intelectualmente, moralmente e espiritualmente. As interações sociais, os dons do professor, um ambiente escolar apropriado, bons métodos de ensino, todos ocupam um papel importante, mas assim como a verdade e a doutrina correta determinam a qualidade da nossa fé, e assim como a pregação fiel da palavra de Deus são o centro do culto reformado, os temas e conteúdo do ensino cristão é o que tornam a educação distintamente cristã.

O currículo também tem um caráter decisivo, porque constitui um elemento de transição entre a teoria e a prática. Diretrizes curriculares são sempre um primeiro passo para as mudanças mais práticas no ensino que ocorrem na sala de aula. O currículo é onde as nossas concepções filosóficas e pedagógicas se traduzem em objetivos individuais para o aluno e em requisitos para o aprendizado. Ele une os nossos mais altos objetivos às lições e ao dever de casa de cada aluno individual. Por isso um ensino distintamente cristão deveria partir de um currículo distintamente e propositalmente cristão. Mas será que isso está acontecendo em nossas escolas cristãs? Parece-me que, se compararmos cada elemento da escola cristã com as escolas seculares, seria possível e até fácil notarmos diferenças, por exemplo, no caráter e empenho dos professores das escolas cristãs, no perfil do alunado, cujos pais, em sua maioria, são pertencentes a alguma denominação eclesiástica; nos versículos e nas decorações das salas de aulas, na rotina diária de cultinhos e corinhos cristãos, no acréscimo de aulas de educação religiosa ou moralidade; e muitas vezes até num melhor desempenho acadêmico dos alunos da escola cristã, mas temo que uma comparação de suas propostas curriculares e planos de curso (e talvez até de algo tão básico como suas propostas pedagógicas) denunciarão uma forte semelhança. Talvez, neste aspecto curricular, elas sejam mesmo indistinguíveis.

O Dilema Curricular


É verdade que os parâmetros curriculares nacionais cerceiam a nossa liberdade até certo ponto. Agrega-se a isso a carência de material pedagógico distintamente cristão, e a fraqueza acadêmica e filosófica dos métodos de ensino que estão embutidos nos materiais seculares disponíveis. E mesmo quando as escolas ou instituições procuram elaborar ou fornecer livros ou materiais com conteúdos mais distintamente cristãos, deparamo-nos ainda com o desafio da qualidade e profundidade acadêmica destes.

Sim, a pressão é grande de todos os lados. Sem dúvida, os testes nacionais como o Enem e a busca pela aprovação no vestibular já põem montanhas de conteúdos obrigatórios diante de nossas escolas, que exigem muitas horas extras para serem cobertos. Além disso, a competição acadêmica com outras escolas e a relação dos assuntos que os livros didáticos e a cultura secular brasileira apresentam como importantes não dão espaço nem tempo para as escolas cristãs abordarem conteúdos que a nossa fé nos ensina a dar maior atenção. Ao mesmo tempo em que há essa pressão para o ensino de tantos conteúdos, as escolas cristãs ainda precisam lidar com a incoerência das pedagogias modernas que, ao desdenharem abordagens mais tradicionais e conteudistas, assim como o ensino sistemático da gramática e das leis regem as disciplinas, insistem na primazia do lúdico, das atividades livres que de alguma forma devem emergir da vida e do interesse de cada aluno individual. Isso torna a questão curricular um palco de batalhas onde o caminho da vitória é, nesses termos, virtualmente inalcançável.

Como conciliar todas essas pressões? Esse é um grande desafio da educação atual, mas é um desafio que a escola cristã não precisa enfrentar em detrimento ou à parte de sua fé, pelo contrário. Se alguém tem uma saída para esse dilema, esse alguém somos nós, cristãos, que temos na Palavra de Deus um alvo, um rumo e um caminho colocado claramente diante de nós. Nós sabemos a quem servir; nós temos um Mestre Divino; nós ouvimos as Suas instruções e confiamos que Ele tem o poder de cumprir aquilo que nos promete, ainda que o mundo nos condene, ainda que nós mesmos não compreendamos como tudo vai se encaixar para o nosso bem. Mas a fé e a obediência da vida cristã devem reger e dirigir também nossos problemas curriculares. Mesmo aqui, no meio desse emaranhado curricular, a escola cristã é chamada a buscar em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça, sabendo que todas as demais coisas lhe serão acrescentadas. Ela é chamada a obedecer antes a Deus do que aos homens. Ela é chamada a renovar as nossas mente segundo o ensino da Palavra de Deus; a exaltar o temor do Senhor e a não temer a face de homem algum; a não adorar as "bestas" dos governos nem das filosofias seculares, mas a seguir a voz do Cordeiro por onde quer que vá; a formar bons cidadãos do reino de Deus, e a ensinar diligentemente aos herdeiros das promessas de Deus, acima de tudo, os louvores do Senhor, o seu poder, e as maravilhas que fez.

A Proposta do Currículo Cristão


Pensar a questão curricular das escolas cristãs, portanto, começa ao se indagar, com Solano Portela, "O que estão ensinando aos nossos filhos?"[1], e vai além, perguntando: "Que práticas, idéias e teorias estão sendo ensinadas aos nossos filhos por meio dos conteúdos propostos nas diretrizes curriculares e nos livros didáticos?"; "Qual é a mensagem central que o currículo está transmitindo às nossas crianças: a verdade de Deus ou simplesmente idéias e ênfases humanas?"; E finalmente: "A quem os nossos currículos estão servindo? Ao reino de Deus e à sua justiça, ou à cidade dos homens e às suas vaidades?" . O passo seguinte é pensar e trabalhar para prover um currículo alternativo cristão, cujos conteúdos sejam cuidadosa e propositalmente selecionados para ensinar as idéias e práticas distintamente cristãs, para transmitir as verdades de Deus sobre as mais diversas áreas do conhecimento, e para servir, de fato, aos interesses e à agenda do Evangelho de Cristo, tanto para o mundo como para as criança do povo de Deus.

Acredito que essa tarefa não é uma opção ou um passo extra, mas é fundamental e imperativa para aqueles pais e educadores que desejam ser fiéis a Deus, à sua verdade e ao seu reino no âmbito de seu ofício educativo. E foi exatamente para encorajá-los e guiá-los nessa tarefa inicial que escrevi este material. E essas considerações devem levá-los à oração, ao planejamento e à ação sábia voltada para uma mudança prática dos currículos de nossas escolas que evidencie a distinção entre nossos alvos, fé e modo de vida daqueles que não têm nenhum compromisso com o nosso Senhor Jesus Cristo.

Enquanto os educadores cristãos locais de cada comunidade ou escola cristã, a saber, a associação de pais e mestres cristãos e a direção pedagógica da escola ou associação de escolas, não se reunirem para, em oração e com sábia orientação, tomar decisões corajosas com vistas a criar o seu currículo próprio, cristão e inovador, a perspectiva cristã das disciplinas ficará comprometida e limitada à criatividade de cada professor individual dentro dos tópicos determinados pelos educadores do governo e pelas mentes seculares que estabelecem os conteúdos dos livros didáticos das diversas editoras seculares.

É claro que podemos e devemos incentivar e apoiar e aprender de outras instituições e grupos que estão já buscando trabalhar nessa direção, destaco aqui a iniciativa do Sistema Mackenzie de Ensino, de S. Paulo, e certamente há esforços localizados de produção de material educativo por escolas ou pessoas individuais, que precisam ser reunidos e divulgados para aproveitamento por outras escolas; mas não podemos ficar só esperando que outros façam o que nós temos a obrigação e a capacidade de fazer. Muitas vezes, as iniciativas que Deus abençoa para a realização de Seus propósitos não são aquelas feitas por grupo de doutores e especialistas, mas por poucas, e mesmo por uma só pessoa comprometida com o seu serviço a Deus e que busca conhecer e realizar, com fé, a sua vontade.  Por poucos que sejam os nossos talentos, não devemos enterrá-los ou guardá-los, mas trabalhar com o que temos e trazer ao Senhor o rendimento, certos de que Ele muito poderá fazer com nossos pães e peixinhos.

Qual é então o dever das escolas cristãs diante das alternativas que temos em nosso país? Esse material se propõe a dar algumas sugestões que podem ser implantadas aos poucos pela direção e pelos professores das escolas cristãs, a fim de que as nossas escolas sejam cada vez mais servas de Cristo e não de César, a fim de que sejam instrumentos mais da promoção do reino de Deus do que da cidade dos homens, e para que elas possam um dia ouvir da boca do nosso Mestre maior: "Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor". (Mateus 25:23)




[1] referência ao livro de Solano Portela: O que Estão Ensinando aos Nossos Filhos? São Paulo: Editora FIEL, 2012.

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