Esta série de
postagens foi baseada no Trabalho de Conclusão do Curso de Letras apresentado à
banca da UFPA em 2009, com o tema: O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA NA
ESCOLA CRISTÃ: TEORIAS, PRINCÍPIOS E PROPÓSITOS.
Este trabalho tem sido, desde então,
adaptado para a leitura de professores e pais cristãos interessados no ensino
das preciosas habilidades da linguagem por uma perspectiva bíblica.
Capítulo IV
O ENSINO CRISTÃO DE LÍNGUA e LINGUAGEM: PERSPECTIVA BÍBLICA,
PRINCÍPIOS E PROPOSTAS.
“Porque a boca fala do que está cheio o coração...”
(Mateus 12:34)
“O homem se alegra em dar resposta adequada, e a Palavra, a seu tempo, quão boa é!” (Provérbios 15:23)
O Dom da Linguagem
A linguagem é maravilhosa e misteriosa ao mesmo tempo.
Ela é um dom de Deus aos homens pois tanto reflete, como também revela este
mesmo Deus (POYTHRESS, 2009). Deus não somente inventou e deu origem à
linguagem, como Ele também a utiliza
e a concedeu aos homens como um
precioso dom. Dentre toda a criação, somente o homem foi criado com a Imagem de
Deus (imago dei) e é por esta razão que ele é capaz de se comunicar
utilizando-se da linguagem.
A linguagem é uma habilidade fundamentalmente
necessária ao desenvolvimento pessoal e social de todo indivíduo em todas as
esferas da sua vida, seja ela acadêmica, profissional, social ou religiosa. É
por esta razão que o ensino de língua (seja ela a língua materna, estrangeira
ou clássica) é tão essencial em uma escola ou lar cristãos, visto que o
desenvolvimento efetivo das habilidades comunicativas ajudam a equipar o aluno
não apenas para atingir e cumprir as exigências práticas e vocacionais da vida,
mas também para glorificar a Deus e difundir a mensagem do evangelho.
O ensino de língua materna focaliza o desenvolvimento
das habilidades de comunicação; particularmente, das habilidades da leitura, da
escrita, do ouvir e do falar. Outras duas habilidades comunicativas importantes
no ensino de língua materna – porém muitas vezes negligenciadas ou tidas como
integrantes do currículo de outras disciplinas – são as de percepção
(observação e interpretação) e de representação (narração e atuação).
Assim, a fim de compreendermos como se pode tornar
mais engajador e eficiente o ensino de língua e linguagem em uma escola ou lar cristãos,
os quais se fundamentam nos princípios e propósitos bíblicos, é importante que
façamos breves considerações gerais com relação à visão bíblica da comunicação
e do caráter da língua, as quais são bases essenciais à construção de todo o
currículo de um curso de língua em uma escola ou lar cristão, para que, por
fim, cheguemos a conclusões mais práticas.
- A Visão Bíblica da Comunicação
Em uma escola ou lar cristãos, todo o currículo e a
concepção de ensino de cada disciplina deve basear-se em uma cosmovisão
fundamentada e coerente com os ensinos bíblicos. Focalizaremos agora, portanto,
a questão do ensino de língua e linguagem considerando valiosos princípios sobre
a comunicação e sobre a linguagem que possuem implicações diretas à concepção e à
prática do ensino de língua.
Comunicação é o ato de se compartilhar pensamentos,
idéias, informações e necessidades. Ela exerce grande influência em todo
indivíduo e na sociedade, pois é responsável pela formação da visão do homem
sobre a realidade. Segundo a visão bíblica, a comunicação, assim como todos os
dons que podem ser encontrados no homem, tem a sua origem em Deus e foi
concedida a ele desde a Sua criação.
Deus é o autor da comunicação e o supremo comunicador.
Ele é a fonte de toda verdadeira comunicação, visto que esta é parte da criação
ordenada de Deus. A comunicação existe na relação entre as três pessoas da
Trindade, ocorre entre Deus e os homens, ocorre entre os demais seres-humanos e,
em certo grau, até mesmo entre homens e animais (embora estes últimos não
tenham sido dotados do dom da linguagem, eles são capazes de se comunicar entre
si próprios e com os homens, de acordo com as suas necessidades e instintos). A
linguagem (verbal e não-verbal) é a mais comum, e também a mais complexa e
elaborada forma de comunicação.
Assim, quando Deus formou o homem à Sua própria imagem
(Cf. Gên.1:27), ele o dotou da capacidade de comunicação por meio da língua, a
qual pode ser considerada, ao mesmo tempo, como um pré-requisito para ou como
uma consequência do pensamento racional (debate este que não cabe considerar
neste espaço). O relato da criação no livro de Gênesis e as Escrituras como um
todo indicam que foi Deus quem inventou a linguagem e planejou que ela
(especificamente a linguagem verbal, tanto na forma escrita, quanto na oral)
fosse o meio de comunicação entre Si
mesmo e o homem, bem como entre os seres humanos em geral. Daí o uso da
linguagem escrita na Sua Palavra revelada –a Bíblia–, e também da linguagem
oral, tanto da parte de Deus, quanto da parte dos homens, sendo ela utilizada
na interação direta (orações e raros episódios do discurso Divino nas
Escrituras) ou indireta (por meio dos profetas, anjos, e ministros do
evangelho) entre Deus e os homens.
Embora o homem tenha perdido, em virtude da sua queda
em pecado, a imagem de Deus em seu sentido completo ou específico (o reflexo do
conhecimento, da justiça e da santidade perfeita de Deus no homem) ele ainda
carrega a Imagem de Deus no seu sentido mais amplo. Ele ainda mantém
características que o posicionam acima de todos os animais da criação, uma das
quais (e das mais importantes delas) é a capacidade de comunicação e do uso
consciente da linguagem, a qual permite a interação entre as pessoas e entre o
homem e o seu Criador e Redentor.
Deus concedeu ao Seu Filho Jesus Cristo toda autoridade no céu e sobre a
terra, e portanto, para o cristão, todas as áreas da vida devem ser trazidas para
debaixo do Seus domínio e autoridade, inclusive a área da comunicação, da
linguagem e da arte como expressão delas. A Comunicação pode ser utilizada para
o bem ou para o mal, e cabe aos cristãos fazer bom uso dela, para a glória e
honra do Senhor.
- A Visão Bíblica do Caráter da Linguagem
A linguagem ocupa um papel central na vida e na
comunicação humana. Nós passamos a maior parte do nosso tempo falando, ouvindo,
lendo ou escrevendo. Os livros, o jornal, a televisão, o rádio, a internet, os
sermões, as músicas, as cartas, tudo isso se utiliza do dom da linguagem. Essa
capacidade de comunicação por meio da linguagem consiste em um bem comum, ou
seja, concedido a todos os homens. Por meio da linguagem, eles podem dar
expressão aos seus pensamentos e sentimentos, bem como assimilar os pensamentos
e sentimentos de outros, tornando possível a realização das atividades de
pensamento e de reflexão pessoal, da vida em sociedade e das manifestações
culturais.
Segundo POYTHRESS:
Algumas tarefas, como
lavar a louça, não demandam o uso da linguagem. Mas até mesmo estas tarefas
ganham significado por meio daquilo que nós dizemos ou pensamos sobre elas. Nós
lavamos a louça porque, por meio da linguagem, nós aprendemos sobre bactérias,
doenças, e como a lavagem da louça protege a nossa saúde. E lavar a louça pode
ser muito mais prazeroso quando conversamos com um amigo enquanto o fazemos.
Além disso, a língua, particularmente em sua forma
escrita, é o principal meio de transmissão de informações e experiências de
geração a geração, sendo, desse modo, permitido às gerações subsequentes o
acesso às informações e experiências do passado.
No entanto, o ensino bíblico deixa claro que, em
virtude da queda do homem e da perda da imagem de Deus original, o uso que o
homem tem feito da linguagem –bem como de toda a criação– tornou-se desvirtuado
pelo pecado. A língua se transformou em uma fonte de desentendimentos, de
discórdias, de enganos, de fraudes e de desonestidades. Agora, segundo essa
visão, o homem em seu estado natural usa a língua e a linguagem de maneira
pecaminosa e para a glória de si mesmo, ao invés de utilizá-la para a glória de
Deus, que é o objetivo para o qual ele foi dotado dela.
A linguagem é o método principal pelo qual o homem
veicula sentidos e, portanto, as habilidades de comunicação linguística são
centrais e naturalmente necessárias à interação humana, visto que esta é tão
inerente à natureza humana quanto o é a própria linguagem.
No meio protestante, o estudo das línguas e da linguística
sempre adquiriu especial valor por razões de ordem natural e religiosa. Bevin
(2009, s/p.) apresenta um número de razões para que os cristãos se interessem e
se aprofundem no estudo da linguagem ou da linguística, dentre as quais, a
autora destaca:
A primeira boa razão para o estudo da linguagem é o
fato de que Deus usa a linguagem, tanto oral quanto escrita. Deus usou a
linguagem oral para criar (Gn. 1). (...) A criação foi principalmente linguística.
Com exceção do esculpimento do corpo de Adão e do procedimento cirúrgico para
criar o de Eva, Deus criou todas as coisas por meio da linguagem. Deus também
usa a linguagem escrita; as Escrituras foram dadas na forma escrita, e Deus
diretamente escreveu os originais das leis dadas no Sinai (Ex. 31:18). A
segunda razão para o estudo da linguagem segue-se do ponto anterior: a informação
inspirada sobre Deus encontra-se na forma escrita, e para que se possa
compreender ao máximo essas informações, os seres humanos precisam saber não
apenas que informação a linguagem está transmitindo, mas também de que forma a
linguagem transmite essa informação. (...) Outra razão para o estudo da
linguagem [especialmente pelos cristãos] provém do fato de que muitas das
críticas ao cristianismo nos séculos vinte e vinte e um (a crítica textual, por
exemplo) são baseadas na linguagem. Assim, a refutação efetiva dessas críticas
requer o conhecimento de que o que Deus revela pode e deve ser realizado pela
linguagem.
Como indica a autora acima, contudo, a linguagem tem
sido amplamente estudada e explorada por teóricos pós-modernos com relação às
noções de construção e de desconstrução de sentidos, atualmente em voga no meio
acadêmico filosófico e linguístico. Veith, Jr. (1999, p. 58) aborda esta
questão do desconstrutivismo da linguagem em sua obra “Tempos Pós-Modernos” e
realiza uma comparação entre a linguagem humana e a linguagem divina,
ressaltando diversos aspectos delas. O autor destaca que “enquanto os teóricos
seculares presumem que a linguagem seja só um fenômeno humano, os cristãos vão
muito mais longe” (idem), e faz uma comparação entre a linguagem divina e a
humana, partindo de diversos textos bíblicos. Na próxima postagem, nos
deteremos melhor nestas considerações de Veith sobre o precioso dom da
Linguagem.
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