A
linguagem é o método principal pelo qual o homem veicula sentidos e, portanto,
as habilidades de comunicação linguística são centrais e naturalmente
necessárias à interação humana, visto que esta é tão inerente à natureza humana
quanto o é a própria linguagem.
No
meio protestante, o estudo das línguas e da linguística sempre adquiriu
especial valor por razões de ordem natural e religiosa. Bevin (2009, s/p.)
apresenta um número de razões para que os cristãos se interessem e se
aprofundem no estudo da linguagem ou da linguística, dentre as quais, a autora
destaca:
A primeira boa razão para o estudo da linguagem é o
fato de que Deus usa a linguagem, tanto oral quanto escrita. Deus usou a
linguagem oral para criar (Gn. 1). (...) A criação foi principalmente
lingüística. Com exceção do esculpimento do corpo de Adão e do procedimento cirúrgico
para criar o de Eva, Deus criou todas as coisas por meio da linguagem. Deus
também usa a linguagem escrita; as Escrituras foram dadas na forma escrita, e
Deus diretamente escreveu os originais das leis dadas no Sinai (Ex. 31:18). A
segunda razão para o estudo da linguagem segue-se do ponto anterior: a
informação inspirada sobre Deus encontra-se na forma escrita, e para que se
possa compreender ao máximo essas informações, os seres humanos precisam saber
não apenas que informação a linguagem está transmitindo, mas também de que
forma a linguagem transmite essa informação. (...) Outra razão para o estudo da
linguagem [especialmente pelos cristãos] provém do fato de que muitas das
críticas ao cristianismo nos séculos vinte e vinte e um (a crítica textual, por
exemplo) são baseadas na linguagem. Assim, a refutação efetiva dessas críticas
requer o conhecimento de que o que Deus revela pode e deve ser realizado pela
linguagem.
Como
indica a autora acima, contudo, a linguagem tem sido amplamente estudada e
explorada por teóricos pós-modernos com relação às noções de construção e de
desconstrução de sentidos, atualmente em voga no meio acadêmico filosófico e
linguístico. Segundo estes teóricos, a linguagem é relativa e incapaz de comunicar sentidos fixos, de modo que cada um pode interpretar as palavras de outro do modo que lhe aprouver. Veith, Jr. (1999, p. 58) aborda esta questão do desconstrutivismo
da linguagem em sua obra “Tempos Pós-Modernos” e realiza uma comparação entre a
linguagem humana e a linguagem divina, ressaltando diversos aspectos delas.
Assim, o autor destaca que “enquanto os teóricos seculares presumem que a
linguagem seja só um fenômeno humano, os cristãos vão muito mais longe” (idem).
A partir dessa afirmação, o autor passa a
destacar os diversos aspectos distintivos da linguagem, fazendo uma comparação
entre a linguagem humana e a divina, partindo de diversos textos bíblicos.
Alguns desses aspectos e argumentos relacionados pelo autor são os seguintes[1]:
1. “A linguagem existiu antes dos seres humanos e
antes do universo físico.” Segundo o autor, a linguagem é realmente intrínseca
ao pensamento e à própria personalidade. O Verbo de Deus é uma parte intrínseca
do Seu ser insondável.
2. Além disso, “a linguagem de Deus criou o mundo.”
O universo foi criado, de acordo com o relato de Gênesis, por uma série de atos
de fala. Nas palavras de Veith (idem), “a Palavra de Deus deu forma e plenitude
à existência.”
3. “A ordem do universo, a realidade das leis científicas,
os códigos do DNA que se assemelham a uma linguagem e a coerência matemática da
física, todas têm suas origens na Palavra de Deus.”
4. “Como Deus, os seres humanos possuem linguagem.
Deus é pessoal, capaz de raciocínio e relacionamentos, que são mediados pela
linguagem.” (idem, p. 59) O autor afirma que Adão e Eva tinham a capacidade de
falar e de se comunicar porque foram criados à imagem de Deus. Assim, a fonte
de sua personalidade, incluindo sua capacidade para a linguagem, foi a
personalidade e a linguagem de Deus.
5. “Deus deu aos seres humanos uma certa autonomia
de linguagem. Foi permitido que Adão inventasse suas próprias palavras para
aquilo que Deus tinha feito: Gn. 2:19-20” . No entanto, a linguagem humana já
era diferente da linguagem divina mesmo antes da queda, visto que esta é
limitada, especialmente com relação ao poder que as palavras divinas possuem.
Depois da queda, a linguagem humana, como todas as demais áreas e elementos da
criação, também se corrompeu e se encheu de maldade, de confusão, de
desentendimentos e de mal uso. Segundo o autor, “essa distinção entre as
palavras do Deus todo-poderoso e as palavras humanas, que são transitórias e
arbitrárias, significa que a linguagem humana não é sagrada em si. É provável
que seja mutável, limitada e um tanto desajeitada (...)”.
6. “O diabo usou palavras para seduzir Adão e Eva ao
pecado.” Ele inventou mentiras, separando a linguagem da verdade e lançando
dúvidas sobre a Palavra de Deus. A partir desse momento, portanto, a linguagem
foi se enchendo de maldade, de engano e de desvios intencionais, e tem sido utilizada, até hoje, para rebelar-se
contra a Palavra de Deus.
7. “A pecaminosidade da linguagem humana foi
aumentando através da história até que Deus executou um juízo especial contra a
própria linguagem: ‘Ora, em toda a terra havia apenas uma linguagem e uma só maneira
de falar’ (Gn. 11:1)”. O autor argumenta:
essa unidade humana significava que o potencial para a
tirania, a idolatria, e toda espécie de mal só estava aumentando. Quando essas
pessoas unificadas começaram a construir para si uma grande cidade com uma torre
que alcançasse os céus, Deus interveio: ‘Eis que o povo é um, e todo têm a
mesma linguagem. Isso é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo
que intentam fazer. Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem, para que
um não entenda a linguagem de outro (Gn. 11: 6-7)’ (VEITH, 1999, p. 60).
8.
“Depois de Babel, a linguagem humana é confusa.
Não se pode mais entender plenamente um ao outro.” (idem) Embora a linguagem
humana ouse erigir estruturas que alcancem os céus, na realidade, o uso das
palavras agora é confuso e não garante mais uma comunicação efetiva e um
entendimento claro por parte do ouvinte ou leitor.
9. “A Palavra de Deus cria e condena, mas redime
também. A Palavra de Deus não é apenas infinitamente superior a toda linguagem
humana, mas é de ordem completamente diferente”. Assim, o autor continua
argumentando que “a Palavra de Deus é Jesus Cristo, a Segunda Pessoa da
Trindade.” Desse modo, a linguagem de Deus não consiste apenas em sons cheios
de sentido, ou em marcas ou símbolos em uma página. Antes, “é a mente de Deus, o
seu próprio ser, seu Filho unigênito que se tornou carne no mundo que Ele
próprio tinha feito existir pela Sua fala.” O autor vai ainda mais longe,
chegando ao livro de Atos dos Apóstolos e afirmando que “o pentecostes desfez a
maldição de Babel quando o dom do espírito Santo capacitou os apóstolos a
pregar de forma inteligível aos falantes de muitas línguas (At. 2: 1-12)”.
(idem)
10. “Deus continua a operar de maneira poderosa por
meio da Sua Palavra”: “...Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais
cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de
dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os
pensamentos e propósitos do coração” (Hb. 4:12).
Desse
modo, feitas as devidas considerações, o autor conclui a sua comparação entre a
linguagem humana e a divina fazendo uma distinção mais clara entre a abordagem
secular e a abordagem cristã com relação à linguagem, dizendo:
Os teóricos pós-modernos estão certos quando enfocam a
centralidade da linguagem. Para eles, entretanto, a linguagem é uma prisão, uma
criação cultural. Dizem que não existe um logos transcendente, nem sentido fora
da linguagem. Presumem que não exista Deus nenhum. (...) Sim, a linguagem
humana tem brechas, limites, escorregos. Nossa linguagem é desajeitada; usar
palavras para expressar o que queremos dizer é às vezes como tentar enfiar
linha numa agulha com luvas nas mãos. Mas a linguagem humana é um sinal, um
traço de uma linguagem divina. A linguagem atrapalha por vezes, mas ela também
revela. O sentido não é só subjetivo; o próprio mundo exterior é fundamentado
sobre a Palavra de Deus, que estabeleceu sua forma e deu-lhe sentido objetivo.
Quando estudamos a ciência, nós não estamos apenas inventando modelos mentais,
mas estamos, em certo sentido, lendo a linguagem divina que está inscrita no
universo. A linguagem não é meramente uma casa de detenção; a linguagem de Deus
pode arrebentar de fora para dentro e dar-nos liberdade. (VEITH Jr., 1999, p.
61)
As considerações realizadas acima são não apenas
relevantes para uma concepção cristã de língua/gem, mas, em grande parte, até
mesmo indispensáveis a ela. Desse modo, o ensino de língua, seja ele realizado em escolas
ou em lares genuinamente cristãos deve partir, inevitavelmente, de pressupostos
bíblicos como os apresentados acima, sobre os quais se constrói toda a visão e a prática de ensino dessa
disciplina.
Que Deus nos capacite a levar nosso pensamento cativo às Escrituras em todas as áreas do nosso pensamento, e especialmente nessa área tão crítica quanto a do ensino de língua, a fim de que nossos futuros agentes da linguagem a utilizem consciente e adequadamente, para a exaltação do Senhor.
[1] Cf.
VEITH, Jr., Gene Edward. Tempos
Pós-Modernos. São Paulo: Cultura Cristã, 1999, pp. 58-61. Enumeração dos
argumentos realizada pela autora.
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