Nota de Introdução:
Em nossa busca por uma Filosofia da Educação Reformada, temos visto que o nosso ponto de partida não pode ser o pensamento secular (nem por meio de síntese, nem tentando uma co-existência pacífica) [Capítulo5], mas que devemos construir desde o princípio sobre fundamentos distintamente reformados, dentre os quais destacamos os pressupostos sobre a Bíblia, sobre a Pessoa e as Obras de Deus, e sobre os Estados da Pessoa Humana como três eixos principais que delineiam o nosso ideal educacional [Capítulo 6] Neste capítulo, indagaremos sobre o que a Bíblia tem a dizer a respeito da própria razão de ser da educação, buscando responder as perguntas básicas: "Por que educar?" e "Para quê educar?"
CAPÍTULO 7
O MANDAMENTO E O PROPÓSITO BÍBLICO DA EDUCAÇÃO
7.1 A
Educação como Mandamento Bíblico
Por que educar? A educação é algo legítimo ou
necessário, biblicamente? Parece que essa deve ser a primeira questão a ser
indagada e respondida quando se busca uma filosofia da Educação Reformada.
Essas questões devem ser respondidas partindo
do ensino bíblico sobre o assunto. Isso será feito a partir de três idéias: (1) Que a educação dos homens, de uma maneira
geral, foi ordenada por Deus desde a criação do homem no que se entende como o
mandato da criação. (2) Que a Bíblia ordena especificamente a educação dos
jovens, estabelecendo o conteúdo dessa educação e (3) Que a Bíblia deixa claro
quem são os responsáveis por esta nobre tarefa.
7.1.1
A Educação como Mandamento da Criação
O primeiro ensino bíblico destacado se refere às
motivações e razões para a educação, a partir do entendimento de que ela é uma
das implicações ou cumprimento do mandamento divino da criação. Quando Deus
criou o homem, Ele, logo em seguida, lhe deu uma ordem e um mandamento, que
visava orientá-lo em sua relação com a criação de maneira que esta relação se
desse de conformidade com a vontade de Deus para o mundo que havia acabado de
criar. Encontramos esse mandamento no livro de Gênesis, capítulo 1, verso 28:
“E Deus os abençoou e lhes disse: sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a
terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e
sobre todo animal que rasteja pela terra”.
Encontra-se nesse verso um mandamento que inclui
tanto privilégios como responsabilidades. É um privilégio, pois o mandamento
era fruto da bênção e da vontade perfeita Deus para com a humanidade ali
representada em Adão e Eva. E o privilégio é inseparável de uma
responsabilidade: ocupar a terra e dominá-la. A obediência a esse mandamento da
criação é por demais ampla. Naquele momento, significava que Adão e Eva
deveriam dar nomes aos animais, conhecer os seres criados, aprender a viver
naquele ambiente em que Deus
os colocara. Certamente incluía a descoberta da criação. Eles iriam descobrir a
infinita riqueza da criação de Deus, e aprenderiam a usar a terra para o seu
proveito e para o bem das demais criaturas de Deus. Eles deveriam estudá-la,
aprenderiam a cada instante sobre as maravilhas da criação, e essa atividade de
ocupar e dominar a terra incluía conhecê-la cada vez mais profundamente, e
descobrir o propósito de Deus ao criá-la, de forma que conhecer o poder e a
sabedoria do Criador pelas obras de Suas mãos seria um deleite eterno para os
homens.
Naquele momento, o homem estava sendo ordenado a
estudar, a descobrir, a investigar, a aprender, a ensinar. A educação é parte
desse primeiro mandamento divino aos homens, e constitui parte essencial de sua
própria função dentro do mundo criado por Deus, ou o homem não teria sido
criado com intelecto, memória, criatividade. O conhecimento, que leva à
ocupação e ao domínio, não é possível aos animais ou a qualquer outro ser na
Terra, mas é uma capacidade dada ao homem como sua atividade própria. O homem é
colocado na Terra com o privilégio e a responsabilidade de ser um estudioso e
governante do restante da criação e por isso foi criado com capacidade para
tal. A própria imagem de Deus no homem incluía esse aspecto funcional, aspecto
em que o homem em sua relação com a criação deveria refletir o próprio ser
divino, no sentido em que, assim como Deus é o soberano e Senhor de todo o
universo, o homem seria soberano e senhor sobre a criação.
Dessas considerações, Jay E. Adams conclui que:
(...)
há um lado obrigatório na educação. A educação não é opcional. Quando este
imperativo divino é divorciado da educação, Deus não é glorificado; a educação
perde a sua motivação própria e o homem recebe poderes discriminatórios que não
pertencem a ele. (1982, p. 26)
Mas, no que consiste ou o que implica esse comando
da criação? Em primeiro lugar, significa que o homem deveria encher ou ocupar a
terra. Esse aspecto parece apontar para o desenvolvimento de instituições
humanas sociais e políticas. A manutenção da família, a ocupação do espaço, a
criação das cidades, o desenvolvimento de técnicas agrárias, por exemplo, dos
negócios, do comércio e da economia estão aí incluídos. O mandamento da
ocupação “requer que o homem invente maneiras de relacionar os seres humanos uns
aos outros e à terra, de conformidade com os princípios bíblicos” (ADAMS, 1982,
p. 27).
E ao homem foi também dada a ordem de sujeitar ou
dominar a terra. O Salmo 8:6 dá a idéia de que todas as coisas foram colocadas
sob o seu controle: “Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão e sob seus pés
tudo lhe puseste”. De maneira muito especial, esse mandamento inclui a
necessidade de criar e desenvolver a ciência e outras atividades de controle.
As implicações desse mandamento levaram J. Conant a exclamar: “Que educação
para o avanço e a corrida tem sido esse trabalho de sujeitar a terra! Como ele
tem desenvolvido a reflexão, estimulado a invenção, e acelerado os poderes de
combinação, que de outra maneira teriam permanecidos dormentes” (1868, p. 7). E
mais uma vez J. Adams reconhece que:
(...)
todos os esforços científicos para trazer a criação sob o controle humano são
especialmente e claramente educacionais em sua essência. O fato é, então, que
Deus colocou diante da raça humana um grande empreendimento, do qual uma parte
significativa envolvia a educação do homem em tudo que concerne à natureza, ao
controle do mundo e à raça humana que deveria ocupá-lo. (1982, p. 27).
7.1.2 A Bíblia e a Formação Cristã dos
Jovens
A Bíblia, entretanto, não se limita a estabelecer
a necessidade e origem divina da educação humana de modo geral, e tece
princípios mais específicos sobre a educação formativa dos jovens e, de maneira
especial, sobre a necessidade do caráter cristão dessa educação.
O primeiro ponto que poderíamos estabelecer é
o de que a educação dos jovens é um mandamento bíblico, e um mandamento
diretamente divino. Porque a Bíblia não menciona as escolas nem oferece regras
específicas para a sua formação, muitos cristãos pensam que a Bíblia não tem
nada a dizer com respeito à educação escolar.
Contudo, a Bíblia diz muito sobre a educação
das crianças. Na verdade, ela a ordena, tanto no Antigo como no Novo
Testamento. A educação de que a Bíblia fala, entretanto, não é a educação
institucional como conhecida hoje, oferecida nas escolas e ministrada por
professores especialistas nos diversos assuntos. Sua educação era,
primeiramente, aquela dada pelos pais ou pelas famílias, as quais, por sua vez,
obtinham sua instrução na Igreja. Esse sempre foi o modelo bíblico: a Igreja é
responsável pelas famílias, e sua responsabilidade para com as crianças é
indireta; os responsáveis pelos filhos dos crentes eram seus pais. A prova
disso é que quando a Bíblia ordena a educação dos jovens, ela atribui esse
dever e privilégio aos pais cristãos.
Dentre as primeiras instruções dadas por Deus
ao seu povo quando de sua formação, antes de sua entrada na Terra Prometida,
encontramos no cap. 6, versos 6 e 7 do livro de Deuteronômio não somente um
conselho ou uma motivação para a educação das crianças, mas uma ordenança
proferida por Deus para que as crianças fossem educadas nas palavras da
aliança: “Estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração; tu as
inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo
caminho, e ao deitar-te e ao levantar-te.” (A BÍBLIA..., Deuteronômio 6:6-7).
Esses versos revelam que é da vontade divina que as crianças pertencentes à
Igreja sejam devidamente instruídas nos preceitos do Senhor, e ainda indicam o
método da repetição como essencial à aprendizagem, além de fornecer o conteúdo
dessa educação, que não era meramente o treinamento vocacional, mas os
mandamentos do Senhor e seu relacionamento com as tarefas da vida diária de
cada um. Na continuação do texto de Deuteronômio, encontra-se ainda uma
promessa relacionada à obediência a esse mandamento, de que suas vidas seriam
prolongadas à medida em que os Estatutos do Senhor fossem nelas observados e
refletidos (PORTELA, [199-], p. 7).
Ainda no Antigo Testamento, nos livro de Salmos,
Provérbios e de Eclesiastes, o tema da educação dos jovens é constantemente
enfatizado e ordenado por Deus como essencial à própria subsistência do povo de
Israel na qualidade e nos privilégios de povo eleito do Senhor. O Salmo 78:3-7,
por exemplo, coloca a atitude esperada do povo para com a educação da sua
descendência de modo elucidativo:
O que ouvimos e
aprendemos, o que nos contaram nossos pais, não o encobriremos a seus filhos;
contaremos à vindoura geração os louvores do Senhor, e o seu poder, e as
maravilhas que fez.
Ele estabeleceu um
testemunho em Jacó e instituiu uma lei em Israel, e ordenou a nossos pais que
os transmitissem a seus filhos, a fim de que a nova geração os conhecesse,
filhos que ainda hão de nascer se levantassem e por sua vez os referissem aos
seus descendentes; para que pusessem em Deus a sua confiança e não se
esquecessem dos feitos de Deus, mas lhe observassem os mandamentos.
O livro de Provérbios relaciona vários
ensinamentos sobre a educação dos filhos e o papel dos pais. O verso 6 do
capítulo 22 é o mais célebre: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e
ainda quando for velho não se desviará dele”. No Novo Testamento, o mandamento
é ainda mais contundente e mais explicitamente dirigido aos pais: “E vós, pais,
(...) criai-os [vossos filhos] na disciplina e na admoestação do Senhor” (A
BÍBLIA..., Efésios 6:4)
7.1.3
As
Responsabilidades pela Educação
De acordo com as diversas referências
bíblicas citadas e com a posição reformada em geral, os pais são primariamente
responsáveis pela educação dos seus filhos, não apenas nas atividades de
subsistência e de suprimento das necessidades da vida, mas nos mandamentos e no
temor do Senhor.
Sendo este um princípio da Palavra de Deus,
ele permanece válido para os cristãos de todas as eras. Quando se observa
atualmente a tendência de colocar a educação dos filhos a cargo da escola e de
professores contratados, e a insistência dos pais em que cabe à escola ensinar
seus filhos não só os conteúdos diversos, mas desde noções de higiene a
preceitos morais, isso claramente está indicando que os pais estão abdicando de
sua responsabilidade de educar seus filhos nos mandamentos do Senhor e em sua
aplicação nas diversas atividades diárias.
Hoje, entretanto, temos um ensino
institucionalizado e organizado dentro de um ambiente próprio, a escola. O que
a Bíblia tem a dizer sobre a sua legitimidade? Em primeiro lugar, a Bíblia não
menciona ou ordena a educação escolar. Esta foi uma invenção ocorrida
paralelamente ao desenvolvimento e especialização do conhecimento produzido por
uma determinada sociedade, que afirmava faltar aos pais o interesse, o tempo, e
a competência e habilidade para educar seus filhos nos conhecimentos avançados
que estavam sendo produzidos.
Noel Weeks (1998) observa que a falta de
habilidade e a falta de tempo não são desculpas para que pais desobedeçam o
mandamento bíblico. Certamente cabe aos pais o máximo de esforço no seu próprio
estudo e no preparo para a educação de seus filhos e a responsabilidade
educativa dos pais inclui o uso sábio e produtivo do seu tempo, que permita a
devida dedicação tanto da mãe como do pai para a vida em família.
Por outro lado, é natural que, quando os
crentes se vêem em dificuldades no cumprimento de suas responsabilidades, eles
busquem a ajuda de outros irmãos mais experientes e capazes de lhe prestar o
auxílio devido, partindo inclusive do princípio da diversidade dos dons que
Deus distribui a cada um e da importância de o corpo de Cristo se beneficiar
desse compartilhar de dons e serviços, e considerando a importância de
carregarmos os fardos uns dos outros. Assim, é legítimo que duas mães, uma que
tem facilidade em ensinar matemática e a outra facilidade em e ensinar
gramática se associem na tarefa que ambas têm de educar seus filhos, e compartilhem
seus pontos fortes. É esse processo que, numa aplicação mais ampla, permite o
entendimento da origem e da legitimidade bíblica da existência da escola
reformada. Foi precisamente assim e com este fim que as primeiras escolas
reformadas foram fundadas[1],
e somente sob essas bases a educação escolar é legítima (WEEKS, 1998, p. 5-6).
Dessa base se extrai a natureza e o papel da
escola reformada. Ela é uma instituição que existe para auxiliar os pais em sua
tarefa de instruir seus filhos no temor do Senhor e na aplicação da verdade
divina a todas as áreas e circunstâncias da vida da criança. Fica, então,
estabelecido o caráter suplementar da educação escolar, que não deve jamais
monopolizar a educação dos jovens, nem no que diz respeito ao tempo, nem quanto
ao conteúdo ou responsabilidade do ensino. Acresce-se a isso que, se a
responsabilidade é primariamente dos pais, significa que a escola reformada
funciona sob a autoridade parental, razão por que deveria ser uma iniciativa
privada, mantida pelos pais, com o apoio indireto da igreja, sem maiores
interferências do Estado e sua filosofia, normas, conteúdos, etc., devem ser
estabelecidos pelos pais de acordo com os princípios bíblicos.
O objetivo geral dessa educação escolar é que
os alunos, em consonância com a educação recebida em casa e na Igreja, aprendam
as verdades de Deus e por meio delas venham a alcançar a maturidade
intelectual, moral e espiritual. No decorrer desse processo, a criança
precisará aprender certas habilidades, como ler, escrever, falar, entender,
explicar, analisar, etc., e é papel da escola, certamente, complementar a
instrução do lar nessas habilidades. Se estas habilidades capacitam esses
estudantes a obter a partir delas o sustento de sua família e ajudar os que
necessitam, certamente que esse vem a ser um legítimo, porém subsidiário, da
educação bíblica.
Noel Weeks distingue a parte que cabe à
escola e a parte que cabe à família na educação dos jovens:
De acordo com a
natureza do caso, o lar pode estar mais adequadamente preparado para educar uma
criança num aspecto do seu desenvolvimento e a escola em outro. Um pai que está
constantemente com a criança nas situações informais do lar está bem mais
capacitado a ensinar a criança a paciência e o auto-controle que um professor escolar.
Mas obviamente uma escola devidamente equipada poderá ser mais eficiente em
aplicar essa paciência na aquisição de habilidades na carpintaria ou na ciência
(...).
Uma escola precisa
dedicar seu tempo para as coisas que ela pode fazer. É possível que algumas
coisas mais importantes possam ser preteridas em razão de que em tais assuntos
a escola não é eficaz. Um sistema escolar que se recusa a reconhecer essas
limitações constitui um perigo para a família, e não um auxílio para ela.
(1998, p. 8)
É nesse sentido que se fala da complementação
da educação do lar pela educação escolar. Há tarefas na educação de uma criança
que exigem um longo tempo, uma dedicação exclusiva e mesmo uma luta ferrenha em
termos de disciplina e correção moral e de caráter, as quais são mais
apropriadas para serem eficazmente realizadas no ambiente familiar e a escola
não deve perder seu tempo com essas coisas.
Em suma, a educação é não somente algo
biblicamente legítimo, como um mandamento de Deus dado a todo homem, de modo geral,
sendo que a educação dos filhos no temor do Senhor é uma atribuição dada por
Deus aos pais. Quanto à criação das escolas, podemos entendê-las não como uma
instituição à parte da família e da comunidade cristã, detentora de todo saber
verdadeiro e do poder de formar o caráter e o intelecto dos jovens. Ao
contrário, embora a escola, como instituição educacional, não seja mandamento
de Deus, como o é a educação familiar, ela pode existir sob a forma de poder
compartilhado, e sua autoridade decorre da autoridade dos pais que é estendida
aos professores considerados mais capacitados para auxilia-los na educação de
seus filhos naquelas áreas em que a escola está devidamente preparada
e equipada para atuar.
7.2 Os Propósitos da Educação Reformada
7.2.1
A Glória de Deus como
Propósito Unificador para a Educação Cristã
A educação reformada deve estabelecer o alvo
correto de sua instrução fundamentada nos princípios bíblicos. O que torna a fé
reformada distinta de todas as demais religiões é que ela é centralizada na
pessoa de Deus e estabelece que o propósito da vida humana é a glória de Deus.
Como uma função importantíssima da atividade humana, a educação não poderia
fugir a esse propósito último: a glória de Deus. Os crentes estudam a Palavra
de Deus, trabalham, ensinam a seus filhos, os educam no temor do Senhor com o
propósito último de glorificarem e honrarem o nome de Deus através de suas
vidas, “porque dele, e por
ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente” (A
BÍBLIA..., Romanos 11:36). Para isso o Espírito instrui os crentes, “com o fim
de sermos para o louvor da sua glória” (A BÍBLIA..., Efésios 1:12) e
“para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo (A
BÍBLIA..., II Coríntios 4:6).
Em outras palavras, o propósito da educação reformada é teocêntrico. A
glória de Deus é entendida na Bíblia em contraposição à glória e o louvor do
homem, tão enfatizada na educação secular atual. Os propósitos e alvos da
educação contemporânea secular, embora bastante divergentes uns dos outros, são
unificados em um ponto básico: no fato
de que todos têm o homem como referência. Dentre os propósitos mais defendidos
estão o de preparar para a cidadania, preparar o aluno para ser bem-sucedido no
mundo competitivo do mercado de trabalho, preparar para a universidade, para o
vestibular, desenvolver nos alunos um senso moral e ético vago, dentre outros.
Em contraposição a isso, educação reformada também adota o lema Soli Deo
Gloria. Em Salmos 115:1, o salmista expõe esse lema: “Não a nós,
Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória, por amor da tua benignidade e da
tua verdade”.
O teólogo e educador Jay Adams (1982) explica
que glorificar a Deus:
(...) é atribuir a
Ele o peso total ou a devida importância de todas as qualidades que Ele já
possui. É atribuir a Ele tudo que Ele realmente é. E fazer tudo (incluindo
matemática) para a glória de Deus significa fazer o que quer que seja de tal
maneira que a totalidade do peso do relacionamento de Deus com isto seja
reconhecido. Glorificar a Deus significa, portanto, fazer Deus pesado ou
importante à vista de alguém ou para os olhos de outros, ou ambos” (p. 23).
Em outras palavras, quando se educa ou se é
educado para a glória de Deus isso deve ser feito de maneira que o esplendor de
Deus brilhe em tudo que for realizado, e o crédito e a honra de tudo o que for
feito sejam devidos a Ele. O Deus da Bíblia é visto como suficiente e presente
para suprir todas as necessidades educativas do homem. O que Deus diz é
considerado pelos crentes como algo valioso e digno da mais alta consideração.
O que ele ordena deve ser obedecido e colocado em prática. E os crentes
possuem não só o auxílio do Espírito Santo de Deus para dirigi-los e
fortalecê-los em suas ações educacionais, como receberam uma revelação escrita
da parte de Deus, onde podem encontrar quais as maneiras concretas com que Ele
pode glorificar a Deus em sua vida.
Há, contudo, diversos níveis de propósitos
mais imediatos para a educação reformada, que são unificados e adquirem sentido
à luz do propósito maior que foi exposto. As seguintes passagens bíblicas
indicam alguns desses propósitos da educação:
Ouve, filho meu, e
aceita as minhas palavras, para que se multipliquem os anos da tua vida.
(Provérbios 4:10) (Grifo nosso).
Ouve o conselho, e
recebe a correção, para que sejas sábio nos teus dias por vir.
(Provérbios 19:20) (Grifo nosso).
Inclina o teu
ouvido e ouve as palavras dos sábios, e aplica o teu coração ao meu
conhecimento. Porque será coisa suave, se os guardares no teu peito, se
estiverem todos eles prontos nos teus lábios. Para que a tua confiança
esteja no senhor, a ti tos fiz saber hoje, sim, a ti mesmo.
Porventura não te escrevi excelentes coisas acerca dos conselhos e do
conhecimento, para te fazer saber a certeza das palavras de verdade,
para que possas responder com palavras de verdade aos que te
enviarem? (Provérbios 22:17-21) (Grifo nosso).
Pelo que Deus lhe
disse: Porquanto pediste isso, e não pediste para ti muitos dias, nem riquezas,
nem a vida de teus inimigos, mas pediste entendimento para discernires o que
é justo (I Reis 3:11) (Grifo nosso).
(...) para que os
seus corações sejam animados, estando unidos em amor, e enriquecidos da
plenitude do entendimento para o pleno conhecimento do mistério de Deus -
Cristo, em quem todos os mistérios da sabedoria estão ocultos.
(Colossenses 2:2) (Grifo nosso).
Sabemos também que
já veio o Filho de Deus, e nos deu entendimento para conhecermos aquele que
é verdadeiro; e nós estamos naquele que é verdadeiro, isto é, em seu Filho Jesus
Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna. (I João 5:20)
(Grifo nosso).
As palavras-chave contidas nesses textos
bíblicos são vida, sabedoria, verdade, justiça, conhecimento de Deus, de Cristo
e da verdade, e elas de fato representam a cosmovisão reformada. Ao contrapor o
propósito da educação reformada aos propósitos insuficientes da educação
secular, John W. Robbins (1987. Não paginado) insiste:
O propósito da
educação não é capacitar o aluno a ganhar um bom salário.
O propósito da
educação não é preservar o sistema de governo vigente e a liberdade política.
O propósito da
educação não é a unificação mundial.
O propósito da
educação não é ensinar aos jovens um ofício.
O propósito da
educação não é encorajar uma infinita busca pela verdade.
O propósito da
educação não é colocar o aluno em harmonia com o cosmos.
O propósito da
educação não é estimular a conscientização dos alunos e prepará-los para uma
revolução mundial.
O propósito da
educação não é preparar os estudantes para carreiras produtivas.
O propósito da
educação não é a integração das raças.
O propósito da
educação não é o ajustamento social da criança/sua socialização.
O propósito da
educação não é a competitividade tecnológica.
O propósito da
educação não é produzir bons cidadãos.
E este
autor prossegue assinalando o que entende como sendo o propósito unificador da
educação cristã:
Não, o propósito da
educação é bem diferente, bem mais nobre que qualquer destas coisas. O
propósito da educação é produzir homens cristãos, homens transformados pela
renovação das suas mentes segundo a imagem dAquele que os criou”. (ROBBINS,
1987. Não paginado)
FOWLER, em seu livro sobre filosofia da
educação cristã, na busca de evitar qualquer definição de propósito que tenha
como fundamento e medida o homem, elabora a seguinte proposição: “O alvo da
educação é o desenvolvimento da criança para o seu chamado religioso na vida
como descobridor responsável da criação” (1982, p. 53).
John Milton, no seu tratado “Da Educação”, foi autor de uma definição
clássica do propósito da educação cristã:
“O fim então da
aprendizagem é reparar as ruínas de nossos primeiros pais, recuperando o
conhecer a Deus corretamente, e a partir deste conhecimento amá-lO, Imita-lO,
ser como Ele.” (MILTON apud RYKEN, 1992, p. 173)
Estes autores estabelecem como propósitos da educação a restauração da
imagem de Deus no homem pela santificação, a renovação da mente de acordo com o
pensar de Cristo, a imitação de Cristo e o desenvolvimento da criança para o
seu chamado religioso.
Robbins estabelece ainda que um propósito central da educação é a
obtenção da sabedoria. Ele afirma que Salomão já havia descoberto e explicado
este propósito há muito tempo:
Conhecer a
sabedoria e a instrução;
Adquirir as
palavras de entendimento;
Receber a instrução
da sabedoria, justiça, juízo, e eqüidade;
Entender um
provérbio e um enigma, as palavras dos sábios. (1987. Não paginado)
Jay Adams descreve o que entende por sabedoria como algo
que junta três fatores: conhecimento, vida e ministério, e define sabedoria
como “o conhecimento, entendido da perspectiva divina, tornado útil para o
viver cada dia para Deus, e (como parte disso), compartilhado com outros e
usados para ministrar para eles”. (1982, p. 88). O objetivo da educação inclui,
mas não se exaure na obtenção de conhecimentos, de verdades. A educação cristã
preocupa-se com o que o aluno fará com esse conhecimento recebido. Ou seja,
esse conhecimento só terá sido verdadeiramente aprendido se ele se traduzir em
vidas transformadas. E tudo o que for aprendido por meio da educação e se
refletir na vida de cada um deve ser também usado para o serviço e bênção do
nosso próximo, o que J. Adams entende como ministério.
Já nas palavras de Solano Portela, o
propósito consiste na própria obtenção da cosmovisão cristã:
(...) o objetivo da
Educação Cristã deve ser o de proporcionar à pessoa que está sendo educada, não
apenas a obtenção de conhecimentos variados uns dos outros e da sua própria
constituição física e moral, mas sim o de conceder uma visão integrada e
coerente de vida, relacionada com o Criador e com os Seus propósitos. ([199-],
p. 1)
Um conceito unificado de todos esses
propósitos citados poderia ser construído assim: a educação tem como alvo a
glória de Deus e a promoção do Reino de Deus no mundo através da transmissão de
verdades que visa a formação de homens tementes a Deus, sábios, comprometidos
com a maneira de pensar de Cristo e conscientes de que sua vocação constitui um
chamado religioso. A educação, portanto, contribui para a glória de Deus da
seguinte forma:
Capacitando o homem a servir a Deus melhor, através do
desenvolvimento dos dons que recebeu para serviço a Deus e ao próximo.
Capacitando o homem a cumprir adequadamente o mandato
de Deus para a criação: “podemos dizer que um dos principais propósitos da
educação de um ser humano deve ser ensiná-lo sobre como governar a criação de
maneiras que honrem e agradem a Deus.” (ADAMS, 1982, p. 27)
Capacitando o homem a conhecer melhor a Deus e as suas
obras através da Sua revelação na natureza em conjunto com a revelação escrita
e em Cristo. Quando
a educação cumpre esse propósito, e o ensino das diversas disciplinas como a
matemática, as línguas, as ciências, a história, refletem os atributos e a
Glória do Deus criador e redentor, e leva os alunos a louvarem a Deus pelo Seu
poder e sabedoria, então essa educação está contribuindo para a glória de Deus.
Sendo instrumento de Deus para a santificação do
homem, com o que o homem vai tendo a imagem de Deus restaurada em si, sendo
progressivamente capacitado a honrar a Deus. (compreende a santificação da
mente, corpo, coração, moral, atos ou espírito).
Permitindo ao homem amadurecer espiritualmente, o que
é evidenciado pelo nível de imitação de Cristo. À medida que a imitação de
Cristo é buscada na tarefa educacional, esta estará glorificando a Deus. Cristo
deve ser imitado pelos crentes em sua personalidade, exemplos e atos.
Levando seus agentes a conhecerem mais, a aprenderem a
praticar e a aplicar na vida diária o conhecimento em forma de sabedoria,
e os frutos do Espírito, como revelados em Gálatas: o amor, a alegria, a
paz, a paciência, a bondade, a benignidade, a fidelidade, a mansidão e o
domínio próprio. A educação cristã precisa servir a esse propósito duplo e deve
estar dominada em todos os seus intentos e atividades pela busca da sabedoria e
desses frutos do Espírito.
Ensinando os jovens a pensarem e agirem biblicamente
em tudo o que fizerem, principalmente na sua especialidade (ADAMS, 1982). Como
a Bíblia é a regra última para a conduta do crente em todas as áreas da sua
vida, poderíamos dizer também que o propósito da Educação cristã é ensinar os
alunos a aplicar o ensino bíblico à sua vida prática, de maneira especial na
sua vocação profissional e nas atividades em que está mais envolvido. Se o
aluno quer ser professor de matemática, ele deve aprender a pensar biblicamente
sobre como ele pode vir a glorificar a Deus em sua profissão. Quem preferir se
dedicar à pesquisa científica irá se empenhar em aplicar os ensinamentos
bíblicos à atividade científica, da mesma maneira que uma dona de casa é
chamada a conhecer, estudar e aplicar os princípios bíblicos em suas tarefas
diárias. É na escola cristã que o futuro historiador cristão conhecerá as bases
e os fundamentos de como a história humana pode ser estudada para a glória de
Deus. Para que tudo isso seja feito, é necessário que os jovens sejam desde
cedo instruídos nessa prática de aplicar a teologia à vida prática.
7.2.3
Objetivos Gerais e Específicos da Educação Cristã
James Beeke [2003?], em
consonância com esse propósito central de glorificar a Deus e de promover o Seu
reino, estabelece o que ele chama dos objetivos gerais da educação reformada,
para posteriormente dedicar-se aos seus objetivos específicos.
O primeiro objetivo
da verdadeira educação cristã é que o nome de Deus seja honrado e glorificado
no campo da educação. O segundo objetivo geral é que os alunos possam ser
abençoados com um conhecimento salvífico do Senhor e que as suas vidas possam
ser uma dedicação de serviço a Ele em todas as coisas, amando a Deus acima de
todas as coisas e a seu próximo como a si mesmos (BEEKE, [2003?], p. 43)
Ainda segundo o autor, os objetivos gerais da educação reformada
compreendem:
Ensinar a verdade de Deus e lutar para observar as
inter-relações entre as verdades da Palavra de Deus. A Educação deve prover
respostas absolutas ao invés de meras especulações ou conhecimento de opiniões
diversas (BEEKE, [2003?], p. 42). O Salmo 33:4 ensina que “a Palavra do Senhor
é reta, e todo seu proceder é fiel [verdadeiro]” e o próprio Cristo afirma em
João 14:6: “Eu Sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vem ao Pai, senão por
mim”.
Ensinar a sabedoria, entendida como um uso sábio e
apropriado do conhecimento, que se baseia na humilde dependência do Espírito
Santo e na submissão à vontade de Deus, porque “o temor do Senhor é o princípio
da sabedoria” (A BÍBLIA..., Provérbios 1:7)
Prover para as necessidades espirituais dos alunos.
Embora a educação reformada reconheça que só Deus pode salvar as almas dos alunos,
a Bíblia revela que Ele o faz através de meios, e esses meios são determinados
na Bíblia e devem ser devidamente utilizados na educação cristã, como o ensino
da Lei de Deus e a aplicação da disciplina. A educação cristã deve almejar o
crescimento espiritual dos alunos.
Preparar o aluno para a vida diária na terra. Isso
significa que o aluno deve saber aplicar as verdades de Deus em todas as
atividades que realizar em seu dia a dia. Beeke comenta que “assim como toda a
vida está debaixo das ordenanças e da direção divina, todos os estudos devem
ser ensinados num contexto bíblico” (BEEKE, [2003?], p. 6). O mandamento
bíblico em I Coríntios
10:31 deixa claro que toda a vida do crente, desde as atividades mais simples
de sua subsistência, passando pelo seu trabalho e relacionamentos devem ser
dirigidos pela Palavra de Deus e para a Sua glória: “Portanto, quer comais,
quer bebais, ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus”.
Esse objetivo compreende o desenvolvimento acadêmico e vocacional dos alunos.
Treinar os alunos na moral cristã. Os princípios
morais bíblicos devem ser aplicados em tudo. O aspecto moral se revela no interesse pelo
desenvolvimento pessoal e social dos alunos, e pela formação de um caráter e
atitudes cristãs.
Beeke subdivide esses três últimos objetivos
em uma série de proposições que deixam bem claro os objetivos mais específicos
da educação cristã como desenvolvimento espiritual, acadêmico (e vocacional) e
moral dos alunos.
Para a educação espiritual dos alunos, ele
fornece os objetivos educacionais que visam atender as suas necessidades
espirituais:
1. Ensinar a Bíblia
como a Palavra infalível de Deus, assim como uma regra absoluta para a vida, e
desenvolver uma atitude de respeito para com ela.
2. Ensinar as doutrinas
básicas cristãs.
3. Enfatizar a
necessidade que cada aluno tem de uma experiência de conversão espiritual, que
só pode acontecer mediante o reconhecimento, pela obra do Espírito Santo, da
condição de miséria em que se encontram, da libertação que têm em Cristo e da
gratidão a Ele.
4. Enfatizar os
atributos santos de Deus e a Sua soberania absoluta em conjunto com a
responsabilidade e o dever que cada ouvinte do Evangelho tem para com Deus de
lhe prestar contas. ([2003?], p. 43)
O desenvolvimento acadêmico dos alunos inclui
os objetivos de:
1. Promover altos
padrões acadêmicos para cada indivíduo na estimulação dos talentos que Deus o
concedeu.
2. Encorajar bons
hábitos de estudo como parte de nossas responsabilidades dadas por Deus.
3. Desenvolver pensamento
biblicamente criativo e criticamente construtivo para o futuro chamado
vocacional e outras responsabilidades da vida dadas por Deus.
4. Ensinar as
habilidades básicas necessárias na relação com os outros nessa vida: a leitura,
a escrita e a matemática, assim como o falar e o ouvir.
5. Prover uma base
sólida da herança histórica, da geografia, e das condições mundiais como
desenvolvimento e revelação da providência e da vontade de Deus.
6. Multiplicar a
consciência e a apreciação da criação de Deus com suas leis e características,
e as nossas responsabilidades de usa-la sabiamente.
7. Nutrir talentos
criativos, mecânicos, musicais, e outros para serem usados de maneira temente a
Deus para o benefício dos outros. (BEEKE, [2003?],p. 43-44)
E finalmente, os objetivos específicos que
levam ao desenvolvimento pessoal ou moral dos alunos compreendem:
1. Ajudar os alunos
a aprender o que significa ser um ser humano criado por Deus, tanto
espiritualmente, como emocionalmente, mentalmente e fisicamente.
2. Promover o
entendimento da responsabilidade que o aluno tem de desenvolver e usar
corretamente os talentos e habilidades que Deus lhes deu em todo seu potencial.
3. Ensinar o valor
do tempo como um artigo dado por Deus
4. Valorizar as
atitudes bíblicas para com as possessões materiais a responsabilidade de cada
um para com elas como administrador.
5. Advogar um
espírito de amor e respeito para com os outros e reconhecer a nossa necessidade
social do próximo.
6. Desenvolver
atitudes bíblicas com relação a amizade, casamento, família, trabalho,
sociedade, e relações humanas.
7. Enfatizar
atitudes adequadas perante autoridades divinas e humanas, e promover a
auto-disciplina e a obediência.
8. Estimular
hábitos corretos de saúde e higiene, de cuidado com o corpo, e o uso sábio do
corpo que Deus nos deu.
9. Cultivar a
responsabilidade pessoal na família, na igreja, na escola e na sociedade. (Idem,
p. 44).
[1] Cf. a justificativa dada
por Lutero para a criação de Escolas e para essa passagem da educação do lar
para a educação escolar.
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