Capítulo 2
Lições do Jardim
Era costume de James Rode se dedicar à oração e meditação nas primeiras e melhores horas da manhã, e assim ele permitia que tudo começasse com Deus. Para conseguir fazer isso, e não negligenciar seu trabalho, era seu hábito constante levantar antes de amanhecer - um hábito essencial para um estado de mente espiritual. É mal ocupada a vida do homem que não consegue passar uma ou duas horas para falar com seu Pai celestial sem interrupção.
Naqueles lindos dias de primavera e verão, James levava sua filha para um pequeno bosque de onde se podia ouvir a música da manhã entoada pelas tribos de penas, e de onde podia-se ver o jardim inteiro, decorado com as flores e brilhando com o orvalho - visão esta que alcançava o rico e adorável campo brilhando com os raios do sol nascente. Aqui ele ensinava a sua amada filha e orava com ela, e ali ele encontrava um texto para as suas lições em cada objeto ao redor. Apontando para os raios brilhantes do sol, ele falava a ela do Sol da Retidão; ele explicava a ela a escuridão de seu coração por natureza e a Fonte da luz e da vida; ele apontava para as lições ensinadas nas Escrituras pela chuva e pelo orvalho; ele lhe ensinava a ouvir os louvores de Deus na música dos pássaros pela manhã. Ele esforçava-se para ensinar sua filha a confiar em Deus, que veste os lírios dos campos com suas vestes magníficas e alimenta os pássaros, embora eles não fiem, nem colham, nem ajuntem em celeiros. Ele lia com ela as parábolas do semeador e da semente, do trigo e do joio, do pequeno grão de mostarda - um emblema do reino dos céus, da figueira estéril e da vinha - e o significado da permanência da vinha. Ele falava a ela sobre o primeiro jardim onde o homem foi colocado e de sua triste expulsão dele - sendo o jardim um emblema da própria alma dela, dada para que ela a cultive e traga frutos para Deus - bem como do glorioso jardim acima, ao qual, em Seu próprio e bom tempo, Deus transplanta o seu povo, pelo qual corre o rio puro de água da vida, e onde a árvore da vida carrega doze tipos de frutos, cujas folhas são para a cura das nações.
Ele explicava a ela a abençoada esperança da ressurreição do corpo, ensinada a nós pelo nascer da semente (1 Coríntios 15:35-38). Mas, acima de tudo, ele amava apontar ao Salvador em vários emblemas sob os quais ele se apresenta a nós nas Escrituras: como a Raiz de Davi (Ap 22:16), o Renovo da Retidão (Zc 3:8), a Primícia dos que dormem (1Co 25:20), a Plantação Memorável (Ez 34:29), a Rosa de Saron (Ct 2:1), a Fonte, o Sol e a Estrela Brilhante da Manhã.
Foi aqui que ela aprendeu sobre a escuridão de seu próprio coração pecaminoso; e ele colocou diante dela, da forma mais afetuosa, a necessidade de um Salvador de modo a gentilmente guiá-la a Jesus. Foi aqui que ele teve a felicidade de perceber que, assim como Lídia, o Senhor abriu o coração dela para a recepção da verdade. Ajoelhando-se ao lado de seu pai, Mary aprendeu a orar - nenhuma forma de oração, mas, conforme ela ouvia seu pai orando, do mais profundo de seu coração. As primeiras horas da manhã eram assim proveitosas para a menininha e contribuíram muito, pela graça de Deus, para o cultivo de sua mente e de seu coração.
Era nas flores que Mary mais amava que o seu pai costumava apontar os emblemas das graças cristãs que adornam o caráter cristão. Certa vez, no início de março, quando, com grande alegria, ela trouxe a primeira violeta da estação, ele disse: “Que essa adorável violeta sirva como uma imagem da humildade, da reserva e da prontidão, ainda que discreta, para a disposição de favorecer. Sua vestimenta tem a cor apropriada à modéstia; ela ama florescer nos lugares retirados da observação frequente e debaixo de folhas que a cobrem, ela perfuma o ar com a mais delicada fragrância. Então, minha filha, que você seja, como a violeta, apaixonada pelo silêncio, desprezando o mostrar de cores berrantes, nunca buscando atrair atenção desnecessária, mas lutando para fazer o bem, sem exibição, enquanto as flores de sua vida florescerem. Tente se parecer com ela, querida Mary; de modo que o seu adorno não seja o exterior de ouro e roupas, mas, que você possa lutar para obter o ornamento de um espírito manso e quieto, que é de grande valor aos olhos de Deus” (1 Pe 3: 3-4).
Quando os lírios e as rosas estavam totalmente desabrochadas e quando o jardim estava em todo o seu esplendor, o velho homem, vendo a sua filha exultar de felicidade, apontando com o seu dedo para um lírio que brilhava com os raios do sol nascente, disse:
“Veja, esse lírio, minha filha, é o símbolo da inocência. As suas folhas são de uma brancura que ultrapassa a do mais rico cetim e se iguala à neve flutuante. Feliz é a filha cujo coração é também tão puro; lembre-se que 'o puro de coração verá ao Senhor'. Mas, quanto mais pura a cor, mais difícil é preservá-la com toda a sua pureza. A menor manchinha pode estragar a flor do lírio e ela deve ser tocada ainda com o maior cuidado, para que não mantenha a mácula. Assim também uma palavra, ou um só pensamento pode roubar da mente a sua pureza. Que a rosa - ele disse apontando para a flor - seja uma imagem da modéstia. O corar da modéstia é mais belo do que o dessa rosa, pois surge do rosto de uma moça modesta. Mas, há ainda outra lição a ser aprendida desta rosa: depois que a sua bela cor se esvai, ela ainda permanece com a sua fragrância, quando as suas folhas estão marrons e secas, elas são ainda mais doces do que em sua juventude fresca e amável. Assim é, querida Mary, com um verdadeiro cristão. Assim seja com você.”
O pai de Mary fez, então, um buquê de lírios e rosas e colocou nas mãos dela; ele disse: “Esses são irmãos e irmãs, e nada pode se igualar à beleza de buquês e grinaldas onde essas flores se misturam. Inocência e modéstia são irmãs gêmeas, que não podem ser separadas. Sim, minha querida filha, para que a inocência esteja sempre em guarda, Deus em Sua bondade, deu a ela a modéstia como irmã e companheira, para antecipar o aproximar do perigo. Seja sempre modesta e você será sempre virtuosa. Ah, se for a vontade de Deus, que você seja sempre habilitada, por Sua graça, a preservar o seu coração com a pureza do lírio. O rosado do seu rosto passará, a beleza externa decairá, mas a sua pureza se renovará, e quando você alcançar a ressurreição do justo, então você florescerá em sua juventude imortal. Lute, então, para adquirir essas graças da mente que não murcham, nem perecem”.
O mais belo enfeite do jardim era uma macieira anã, não mais alta que uma roseira, que crescia em um pequeno canteiro circular, no meio do jardim. James a tinha plantado no dia do nascimento de sua filha e ela dava, todos os anos, as mais belas maçãs douradas, listradas com vermelho. Em uma certa estação, ela estava especialmente promissora e coberta de flores. Mary não deixava de examiná-la todas as manhãs e exclamava, em êxtase: “Oh, que bonita é a mistura de branco e vermelho! Alguém poderia imaginar que a arvorezinha seria um buquê de flores?”. Mas, que pena, na manhã seguinte ela veio na hora habitual e descobriu que a geada da noite anterior havia murchado todas as flores; elas estavam quase marrons e amarelas, e agora estavam murchando por causa do sol. Com essa visão tão triste, a pobre Mary começou a chorar.
“Assim como o frio destrói o desabrochar da maçã”, disse o pai sensato, “os prazeres da juventude destroem a beleza da juventude. Tão brilhante quanto possa ser a floração, ela não produz nenhum fruto. Trema, minha filha, diante da possibilidade de se afastar dos caminhos da retidão. Ah, e se o tempo chegasse, quando as esperanças agradáveis que você nutriu viessem a perecer, não por um ano, como as esperanças dessa árvore, mas por toda a sua vida! Eu derramaria lágrimas muito mais amargas do que essas que caem de seus olhos agora. Eu não teria nem uma hora de prazer, mas meus cabelos grisalhos seriam levados em tristeza para o túmulo”. Com pensamentos como esse, James mesmo não conseguia conter as suas lágrimas; e suas palavras de ansiedade amorosa tiveram uma impressão profunda e duradoura no tenro coração de Mary.
Sendo criada debaixo do cuidado zeloso e perseverante de um pai tão sábio e sensível, Mary cresceu entre as flores do jardim, jovem como a rosa, pura como o lírio, modesta como a violeta e dando as mais agradáveis esperanças de seu futuro.
Era com o sorriso de satisfação e gratidão que o velho homem sempre olhava para o seu belo jardim, e para os frutos que amplamente retribuíam todo o seu cuidado assíduo. Contudo, ele era capaz de experimentar a mais profunda satisfação quando observava a sua filha, em quem, pela graça de Deus, ele podia descansar os seus próprios labores piedosos na educação que dava a ela, e via como ela parecia trazer os mais preciosos frutos para o louvor e a glória de Deus.
Assim, Mary, dia após dia, aprendeu do seu bom pai a usar os olhos do seu coração e ver nas belas coisas ao seu redor, as lições que elas foram criadas para ensinar.
E você, que está lendo este capítulo, já aprendeu a usar os seus olhos? Você sabe que os olhos de sua mente são naturalmente cegos, de modo que você não pode ver, nem ler com entendimento o livro da natureza ou o livro da Palavra de Deus. Quando Davi ora: “Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei”, ele fala dos olhos da mente, que devem ser abertos antes, para que a Bíblia possa ser entendida corretamente e, da mesma forma, nós devemos orar para Deus abrir os nossos olhos para que possamos ver as Suas obras e aprender as lições que Ele deixou inscritas nela. Se os seus olhos não estão abertos ainda, jovem leitor, você está perdendo uma rica fonte de prazer, bem como o seu proveito. Ore a Deus para que os abra e então vá para o lado de fora, com a Bíblia como a sua intérprete, e leia as lições que Mary leu. Preste atenção para escutar as pequenas vozes que falam entre os pássaros e as flores, e se você puder ouví-las uma só vez, você encontrará alegria mais doce que nunca; você O amará mais do que se pode dizer, e se surpreenderá com a sua antiga cegueira.
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