“Como Maçãs de Ouro em salvas de prata, assim é a palavra dita a seu tempo.” (Pv. 25.11)

“Feliz o homem que acha a sabedoria e o homem que adquire o conhecimento;
... é Árvore de Vida para os que a alcançam, e felizes são todos os que a retêm." (Pv. 3:13,18)

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

A EDUCAÇÃO CLÁSSICA E A EDUCAÇAO CRISTÃ (Parte 1)


II. A Educação Clássica e a Educação Cristã


 
Temos examinado o surgimento, a adoção, o declínio e o ressurgimento atual da educação clássica a fim de dar ao leitor uma visão histórica da educação clássica, de introduzi-lo aos seus principais distintivos, e de buscar explicar o sucesso atual desse modelo. Passemos, agora, a uma breve avaliação da Educação Clássica sob os critérios cristãos. Buscaremos responder as seguintes perguntas: 1) A educação clássica é "a educação" ideal? 2) A educação clássica é cristã? 3) A educação cristã pode ser clássica? E finalmente, a questão mais crucial: 4) A educação cristã precisa ser clássica?
Este post tratará das duas primeiras perguntas, que apontam, negativamente, para os problemas e perigos que a educação clássica pode representar para aqueles educadores e alunos cristãos que adotam a educação clássica sem discernir suas bases e ênfases anticristãs. O próximo post tratará das possibilidades, da necessidade ou não e dos termos em que o modelo clássico poderia ser usado nas escolas e lares cristãos.
 
 
A Educação Clássica é Ideal?

Os gregos de fato buscaram conhecimento e desenvolveram ferramentas capazes de moldar, estimular, afiar e desenvolver o intelecto humano. Mas antes que os elevemos além do crédito que lhes é devido, e antes que adotemos indiscriminadamente seus métodos e práticas educacionais, precisamos lembrar que seu sistema educacional ficava aquém dos ideais cristãos em pelo menos três áreas principais:

1- Eles não tinham uma base sólida, uma fundação para sustentar o seu conhecimento, pois não possuíam aquele "temor do Senhor" que é o princípio do saber. Eles não possuíam um arcabouço apropriado para encaixar os conhecimentos que adquiram, nem um padrão para julgar o que é bom ou mal, e o que é verdadeiro ou falso. Desconhecendo as Escrituras Sagradas, faltava-lhes luz para o seu caminho; eles tropeçavam sem nem saber em quê. Faltava-lhes o esquema bíblico da Criação-Queda-Redenção que lhes fornecesse uma cosmovisão apropriada, onde eles poderiam encaixar e compreender a razão de ser e os propósitos dos fatos, o sentido da sua existência, e a interligação de toda a verdade, que só encontra unidade em Cristo e no seu propósito para o mundo. Por não crerem, por exemplo, na criação do homem à imagem de Deus, eles, apesar de verem a importância da razão e da educação das crianças, não hesitavam em abandonar a céu aberto os recém-nascidos que pareciam fracos ou doentes. Por não entenderem que o ser humano é caído, eles achavam que o homem era essencialmente bom, e que as virtudes que pregavam poderiam ser alcançadas se apenas a juventude as conhecesse e praticasse. Por não verem a necessidade de Redenção, eles não entendiam a necessidade de um novo nascimento, de um Salvador divino-humano, e sabemos que pereceram espiritualmente, longe da Verdade que poderia lhes libertar.

2- Eles confiaram num instrumento falido. Eles elevaram indevidamente a razão humana a uma posição altíssima, de salvadora e de redentora pessoal e social, por não possuírem a revelação sobre a queda do homem e sobre os efeitos distorcivos do pecado também sobre essa instância do ser humano; nós sabemos que a razão e a lógica humana também se tornaram depravadas com a queda, tendentes à falsidade, à mentira, à inversão da virtude pela injustiça, sendo tendentes ao ato mais ilógico e irracional, que é a adoração da criatura ao invés do Criador.

3- Eles não alcançaram o alvo do aprendizado. Eles jamais obtiveram a verdadeira sabedoria, que começa com o temor do Senhor, e que Deus dá a todos que, em humildade, pedem por ela; tampouco conheceram a sua fonte, o Senhor Jesus Cristo, em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos. Eles consideraram "loucura" a sabedoria de Deus, ignorando que a "loucura"de Deus é mais sábia do que os homens. Assim, eles ficaram muito aquém do alvo de todo conhecimento, que é o conhecimento de Deus e do seu Filho Jesus Cristo; eles não ofereceram o seu conhecimento a Deus como culto racional pela renovação da sua mente, e não deram a Deus a glória devida ao seu nome; não atingiram o propósito do conhecimento.

Assim, sem uma base apropriada, sem um padrão confiável, e sem um alvo digno para a sua construção filosófica, o edifício filosófico-pedagógico dos gregos, por mais duradouros que tenham sido seus efeitos na história ocidental, não resistiu, com respeito às suas bases e alvos, ao teste da filosofia e da pedagogia cristã, como o apóstolo Paulo buscou demonstrar no seu discurso em Atenas, e como ficou evidente na proliferação e no impacto social e religioso das igrejas cristãs nas cidades gregas de Éfeso, Corinto e Tessalônica, por exemplo. Os tratados clássicos não são cânons autoritativos. A Palavra de Deus, sim. O pensamento clássico nunca salvou a humanidade. Nosso Senhor Jesus Cristo, sim. Os melhores insights dos seus filósofos talvez tenham dado à Sócrates uma causa forte o suficiente para viver e até morrer, mas não lhe deram o caminho nem a esperança para a vida após a morte. Somente a verdade de Deus nos guia nessa vida com poder e nos conduz à cidade celeste. Assim, o que podemos aproveitar dos escombros da construção filosófica grega foram apenas algumas idéias que se aproximam da verdade, algumas ferramentas úteis e alguns materiais que podem ser usado em outras construções intelectuais. Uma idéia correta seria a valorização da razão humana (desde que vista da maneira correta). Algumas de suas ferramentas seriam os métodos de ensino da gramática, da dialética e da retórica. Os materiais que aproveitamos são os tijolos das artes liberais.

Assim, longe de ser "a educação ideal" para os cristãos, é possível, que, entendidas as ressalvas acima, a educação nos moldes clássicos ainda seja uma das opções mais sólidas dentre os demais modelos vigentes, e que teria a possibilidade de ser aproveitada em algumas de suas ênfases, práticas e matérias pela educação cristã, desde que saibamos julgar todas as coisas, reter o que é bom, e nos abster de toda forma de mal
 
A Educação Clássica é Cristã?
A educação clássica é cristã? O histórico que apresentamos sobre a sua origem e desenvolvimento deixa claro que a origem, os métodos, as ênfases e os seguidores da educação clássica não são primariamente cristãs, mas pagãos e seculares, embora muitos cristãos façam uso de certos métodos ou ênfases clássicas que parecem concordar com a Bíblia. Mas, estritamente falando, ela é uma invenção dos antigos gregos, que eram pagãos, idólatras e orgulhosos, e a educação estritamente clássica carrega consigo a visão de mundo de seus criadores, que por sua vez é repassada aos seus professores e alunos, e que representa um real perigo para educadores cristãos que inadvertidamente valorizem seus métodos e materiais acima dos princípios cristãos. Dentre estes perigos principais, ressaltamos:
1- O Perigo do Paganismo. Nem sempre as obras consideradas mais excelentes, escritas pelos autores clássicos, refletem os valores e a visão de mundo cristã. Muitas das leituras indicadas pelos currículos clássicos como indispensáveis para determinadas séries, as quais embasarão todo o currículo, são inapropriadas para certas faixas-etárias e para cristãos de determinada persuasão. Por exemplo, há pais cristãos que não querem expor suas crianças pequenas às histórias e tramas de guerras, assassinatos e traições comumente apresentadas nas obras clássicas; outros pais consideram a linguagem e as mensagens desses textos inapropriadas para seus filhos; ainda outros ressentem, com razão, a ênfase no estudo dos deuses da mitologia clássica e dos contos e fábulas pagãos no lugar da ênfase na história bíblica, dos grandes feitos de Deus, e da sabedoria cristã.
2- O Perigo da Idolatria. Referimo-nos aqui nem tanto ao risco das crianças virem a adorar os deuses da mitologia pagã, mas àquela idolatria sutil de se valorizar ideais diferentes dos cristãos; de se curvar antes aos ensinos dos filósofos do que aos dos profetas e apóstolos, de adorar a razão ao invés da sabedoria bíblica, e de se buscar a virtude do mundo sem a base da piedade e do temor do Senhor. A Educação Clássica focaliza e idolatra a razão como redentora da humanidade, e é possível que o refinamento da razão e o desenvolvimento da mente venha a se tornar um ídolo real para os nossos filhos.
A educação cristã, por sua vez, considera Deus e a sua Palavra como centrais, e ela segue o ensino bíblico de que o homem não é primariamente um ser intelectual, mas um ser espiritual, regido pelo seu coração. Além disso, considera que a queda afetou todas as instâncias do ser humano, inclusive a sua mente. Por isso, a educação cristã não é focalizada na razão, mas na alma, composta, por assim dizer, do coração, da mente e da consciência. A mente, por sua vez, que também tem um aspecto espiritual, é guiada pela fonte espiritual do coração, e jamais deve ser elevada acima deste, mas deve ser vista como boa ou má, como íntegra ou distorcida conforme for a situação espiritual do coração e da consciência. Por isso os cristão devem ter cuidado para não confundirem a educação da mente com a totalidade da educação cristã, que por ser espiritual, deve alcançar e formar todas as instâncias da vida humana, em todos os seus aspectos, espirituais, intelectuais, morais, emocionais, físicos, estéticos, sociais, relacionais, etc. Além disso, os educadores cristãos devem compreender que o parâmetro bíblico para a razão é a verdade, e a razão em si pode estar corrompida pelo desconhecimento da verdade, pelo ódio à verdade, e pelo compromisso com mentira. Desenvolver a mente da criança sem submetê-la ao temor de Deus, ao crivo da verdade bíblica, e à busca humilde pela sabedoria que é dom de Deus, pode formar inteligentes, argumentativos e sagazes inimigos de Cristo, ao invés de crentes piedosos e compromissados com o Reino de Deus e com a Sua verdade.
3- O Perigo do Orgulho Intelectual. Vimos que a educação clássica foi inigualável quanto ao desenvolvimento estritamente intelectual. Contudo, este mesmo fato tem representado um problema para os professores e alunos cristãos que adotam os métodos clássicos e sabem que eles estão acima da maioria no critério intelectual por conhecerem, por exemplo, as leis da lógica, por terem grande habilidade de persuasão nos debates, e por acabarem se destacando no meio acadêmico. Esses correm o risco de serem expostos àquele que é um dos maiores pecados, capaz de levar à sua destruição espiritual: o orgulho e auto-exaltação. O educador cristão Kevin Swanson comentou numa palestra sobre a educação clássica que ele nunca conheceu jovens tão pernósticos, indiscretos, cheios de si, argumentadores e desprezadores de outros do que os grupos de jovens (muitos deles de formação cristã) que ele encontra nos corredores dos eventos de competições estaduais e nacionais de debates entre os alunos de escolas clássicas. Que desserviço eles prestam para a igreja e para o mundo por usarem os conhecimentos e habilidades que adquiriram para glorificarem a si mesmos ao invés de usá-las para a glória de Deus e para a defesa humilde e amorosa do Evangelho!
 
 

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

ORGULHO ESPIRITUAL - JONATHAN EDWARDS

ORGULHO ESPIRITUAL – JONATHAN EDWARDS



A primeira e pior causa de muitos erros que prevalecem em nossos dias é o orgulho. Esta é a porta principal pela qual o Diabo adentra os corações daqueles que estão zelosos pelo avanço do reino de Cristo. Esta é a primeira passagem de fumaça proveniente de um poço sem fundo para escurecer a mente e corromper o julgamento e a alavanca principal pela qual Satanás toma posse dos cristãos para impedir a obra de Deus. Até que esta doença seja curada, os remédios são aplicados em vão para curar todas as outras doenças.
O orgulho é muito mais difícil de se discernir do que qualquer outra corrupção porque, por natureza, o orgulhoso é uma pessoa que possui um pensamento muito alto de si mesmo. Seria de se surpreender, portanto, que uma pessoa que possui um pensamento muito alto de si mesma não esteja plenamente ciente disso? Ele pensa que a opinião que ele possui de si mesmo tem uma justa base e, portanto, o seu julgamento não é tão alto. Como resultado, não há outra área na qual o coração seja tão enganador e insondável. A sua própria natureza é a de exercitar a auto-confiança e a de deixar de lado qualquer suspeição de mal com relação a si mesmo.
O orgulho toma muitas formas e figuras, e compreende o coração como as camadas de uma cebola – quando você retira uma camada, há outra embaixo. Portanto, nós precisamos manter a maior vigilância imaginável sobre os nossos corações com relação a esta questão e clamar com a maior sinceridade ao perscrutador de corações pela Sua ajuda. Aquele que confia em seu próprio coração é um tolo.
Visto que o orgulho espiritual é, em sua própria natureza, secreto, ele não pode ser bem discernido pela intuição imediata de si próprio. Ele é melhor identificado pelos seus frutos e efeitos, alguns dos quais eu mencionarei juntamente com os frutos contrários da humildade Cristã.
A pessoa espiritualmente orgulhosa já está cheia de luz em si mesma e sente que não precisa de instrução; portanto ela está pronta para rejeitar a sua oferta. Por outro lado, a pessoa humilde é como uma criança pequena que facilmente recebe a instrução. Ele é cuidadoso em sua estimativa de si mesmo e sensível ao quão sujeito ele está para se desviar. Se lhe é sugerido que ele está sendo desviado, ele está mais do que pronto para inquirir a questão.
Pessoas orgulhosas tendem a falar dos pecados dos outros – a miserável desilusão dos hipócritas, a morte de muitos santos em amargura, ou a oposição à santidade de muitos crentes. A pura humildade cristã, contudo, é silenciosa quanto aos pecados dos outros ou fala deles com tristeza e piedade. A pessoa espiritualmente orgulhosa encontra culpa em outros santos pela sua falta de progresso na graça enquanto o cristão humilde vê tanto mal em seu próprio coração e está tão preocupado com isso que ele não está habilitado a se ocupar demais com os corações de outros. Ele reclama mais de si mesmo e da sua própria frieza espiritual e prontamente espera que quase qualquer um possua maior amor e gratidão a Deus do que ele mesmo.
As pessoas espiritualmente orgulhosas muitas vezes falam de quase tudo o que vêem nas outras pessoas com a linguagem mais dura e severa. Eles frequentemente falam das opiniões ou da conduta ou da frieza de outros como sendo do Diabo ou do inferno. Comumente, o seu criticismo é direcionado não apenas aos homens ímpios, mas também contra os verdadeiros filhos de Deus e àqueles que são os seus superiores. Os humildes, contudo, mesmo quando possuem descobertas extraordinárias da glória de Deus, estão sobrecarregados pela sua própria vileza e pecaminosidade. As suas exortações a seus irmãos cristãos são dadas de uma maneira humilde e amorosa e eles tratam aos outros com a mesma humildade e gentileza que Cristo, que é infinitamente superior a eles, lhes trata.
O Orgulho espiritual muitas vezes dispõe as pessoas a agirem de modo diferente conforme a aparência exterior – a assumirem um comportamento diferente em sua fala, semblante ou comportamento. Contudo, o cristão humilde, embora seja firme em seus deveres – andando somente no caminho para o céu, ainda que o mundo todo o abandone – contudo ele não se deleita em ser diferente somente por ser diferente. Ele não tenta se colocar em uma posição de preeminência para ser observado como alguém distinto mas, pelo contrário, está disposto a ser qualquer coisa por qualquer um, a ceder aos outros, a se conformar a eles, e a agradá-los em tudo, senão pelo pecado.   
Pessoas orgulhosas se ofendem quando sofrem oposição ou julgamento, e são inclinadas a falar sempre dos outros com um ar de amargura ou desprezo. A humildade cristã, por outro lado, dispõe a pessoa a ser mais como o nosso bendito Senhor que, quando insultado, não abriu a sua boca, mas se comprometeu em silencio Àquele que julga retamente. Pois o cristão humilde, quanto mais o mundo, clamorosa e furiosamente, se dispõe contra ele, o mais silencioso e calmo ele será, a não ser em seu quarto de oração, pois ali ele não ficará em silêncio.
Outro padrão de pessoas espiritualmente orgulhosas é se comportar de modo a fazer de si mesmas o foco de atenção para os outros. É natural para alguém sob a influência do orgulho aceitar todo o respeito que lhe é pago. Se outros mostram disposição para se submeterem a ele ou para ceder em respeito a ele, ele está aberto a isso e pronto para aceitar tal respeito. Na realidade, eles vêm até mesmo a esperar tal tratamento e a formar uma má opinião sobre aqueles que não lhe dão aquilo que pensam merecer.
Alguém sob a influência do orgulho espiritual se sente mais habilitado a instruir a outros do que a fazer perguntas. Tal pessoa naturalmente se veste com os ares de um mestre. O cristão eminentemente humilde pensa que necessita da ajuda de todos, enquanto a pessoa espiritualmente orgulhosa pensa que todos precisam da sua ajuda. A humildade cristã, debaixo do senso da miséria dos outros, suplica e implora, enquanto o orgulho espiritual demanda e adverte com autoridade.
À medida que o orgulho espiritual dispõe as pessoas a assumirem muito para si mesmas, ele também as dispõem a tratar a outros com negligência. Contrariamente, a pura humildade cristã dispõe as pessoas a honrar a todos os homens. Adentrar em disputas quanto ao cristianismo é, certas vezes, inoportuno, contudo nós devemos ser muito cuidadosos para que não nos recusemos a discutir com homens carnais simplesmente porque os consideramos indignos da nossa atenção. Ao invés disso, devemos condescender aos homens carnais assim como Cristo condescendeu para conosco.

    

Jonathan Edwards (1703 – 1758) é um dos ministros, teólogos e filósofos mais reconhecidos da história americana. Este artigo foi traduzido e adaptado da seção: “Pensamentos Concernentes ao Reavivamento Presente da Religião na Nova Inglaterra”, extraído de: “As Obras de Jonathan Edwards”, publicado pela Banner of Truth Trust, Carlisle, Pennsylvania.